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Kpop e Gênero: a representação feminina na Coreia do Sul

Atualizado: 1 de fev. de 2022



Escrito por: Camila Nunes Dorneles e Ríllari Ferreira Castro e Silva



O Korean pop (k-pop ou kpop) é um tipo de gênero musical, originado na Coreia do Sul, que combina diversos estilos musicais como hip-hop, rap, pop, rock e eletrônica. O marco do seu surgimento é o ano de 1992, com a estreia do grupo Seo Taiji and Boys, considerado um dos primeiros grupos do kpop, este fazia uso dos vários estilos musicais em suas músicas. Essa mistura pioneira de estilos musicais fez o grupo alcançar muito rapidamente a popularidade levando ao surgimento de indústrias de entretenimento voltadas à formação de grupos de kpop. Os grupos de kpop normalmente são formados por meninos ou meninas, chamados de idols (idolos) e raramente há a formação de grupos em que meninos e meninas cantem conjuntamente.

A Hallyu Wave (onda coreana) foi a responsável pela disseminação da cultura sul-coreana no pós-Segunda Guerra Mundial por todo o globo. Durante esse período, a Coreia do Sul começou a investir mais fortemente numa política nacionalista, uitlizando a cultura como uma forma de exercer poder para além das suas fronteiras (AMARAL, 2019). Assim, através de um política de investimento aliada a uma forte estratégia de marketing, as produções culturais sul-coreanas, como o kpop, foram promovidas pelo governo sul-coreano, levando ao consumo e voltando os olhos do mundo para o país. A globalização também atuou como um fator determinante para que países fora do mainstream ocidental, como a Coreia do Sul, pudessem se colocar como atores relevantes no Sistema Internacional e, consequentemente, espalhar sua cultura. Junto a isso, é válido dizer que segundo Walsh (2014) esse setor também foi fortemente promovido por meio do compromisso do governo sul-coreano em investir na capacidade de sua internet.

Além do estilo musical, os grupos de kpop ficaram mundialmente conhecidos pelas superproduções e investimentos nos videoclipes que também contavam com coreografias elaboradas. Por conta do investimento em videoclipes, e sua grande facilidade de divulgação, via internet e redes sociais, o mercado da música tende a ser muito rigoroso quanto a qualidade da música e dos próprios idols. Os grupos de kpop não surgem sem planejamento e treinamento, existem empresas da indústria do entretenimento totalmente voltadas para o treinamento e formação de grupos com o objetivo de obter sucesso. São feitas audições em que alguns candidatos são escolhidos e treinados, aprendendo técnicas vocais, dança e desenvoltura no palco para a sua estreia mundial. Durante a fase de treinamento, os futuros idols chegam a treinar cerca de dez horas por dia, ficando totalmente imersos na futura profissão (AMARAL, 2019). Apesar de terem uma formação semelhante, os girls groups (grupos femininos) de kpop, são mais suscetíveis à influência dos padrões de comportamento destinados a indivíduos alinhados ao feminino.

Abrahamsson (2018) em sua tese “How women are portrayed in K-pop music videos: an example of how gender is constructed in media’’ analisou 10 videoclipes, entre os anos de 2009 a 2014, com maior visualização dentre os cinco grupos femininos de K-pop mais populares na Coreia do Sul nesse período. Os estudos de Abrahamsson indicaram dois padrões de comportamentos entre as k-idols o “sexy’’ (sensual) e o “cute” (fofo) e explicou que as mensagens das músicas abordavam questões relativas à aparência e a relacionamentos, em especial, relacionamentos com homens. A problemática que surge, da propagação do gênero feminino apenas com comportamentos sensuais ou fofos, é a da limitação da representação feminina e a reprodução desta ao grande público consumidor, que ultrapassa as fronteiras da Coreia do Sul.

A questão, então, é que as representações limitadas do que é ser feminino, focadas no sensual ou no fofo trazem uma dicotomia. O comportamento sensual é recebido, geralmente, com “maus olhos” pelo público do país e o estilo fofo, que demonstra as mulheres frágeis, sensíveis e muitas vezes infantilizadas, é valorizado e incentivado. Conforme Ribeiro et al (2017) a partir dos grandes esforços das empresas de passarem a visão mais “pura” de suas artistas, há a imposição que essas idols devam se comportar, muitas vezes, de forma infantil e meiga, abstendo-se de comportamentos sensuais e, até mesmo, deixando de comentar determinados assuntos ou possuírem relacionamentos amorosos, visto que, isso as tornaria menos “puras” o que levaria a não aceitação do público consumidor. Contudo, essa inocência, mesmo não sendo explicitamente algo sensualizado, é consumida por muitas pessoas que tem sobre essa “pureza” um olhar fetichizado. “Dessa forma, a expressão sexual das mulheres é colocada em dois polos extremos e exclusivos, ficando evidente qual é o “correto” e “aceitável.’’ (RIBEIRO et al, 2017, p. 9).

A visão que é perpetuada, na grande maioria dos conteúdos dos girls groups, é a da mulher enquanto um ser vulnerável e dependente da aceitação masculina. Além disso, há uma nítida restrição à indivíduos alinhados ao feminino que deixam de se expressar de maneira mais sensual, às limitando a atuarem apenas de forma inocente. Esse comportamento, deixa esses indivíduos em um lugar de maior vulnerabilidade a abusos e violações. Muitos grupos vêm surgindo e trazendo questionamentos a essa forma de pensamento que se perpetua na Coreia, em que o sexismo e o machismo ainda são muito fortes, todavia o comportamento feminino limitado apenas ao “sensual’’ ou ao “fofo’’ das k-idols ainda predominam no país.

Nesse sentido, a partir do incentivo ao kpop, pelo próprio governo como uma forte ferramenta do soft power no país e carro chefe da economia nacional, difundiu-se pelo mundo o consumo de seu conteúdo aliado a propagação de uma visão fortemente estereotipada sob indivíduos alinhados ao feminino. Na batalha global, para ver quem domina a comunicação audiovisual, é perceptível o êxito e a influência internacional que a Coreia do Sul vem obtendo, a partir dos seus esforços nessa área. Portanto, alguns de seus valores hierárquicos e patriarcais, alicerçados em um forte sexismo ainda presente no país que reforçam as normas de gênero e contribuem para desigualdade, se perpetuam no mainstream e se difundem, de forma mascarada, a nível mundial. Moldando, assim, uma visão do que seria o certo para a imagem feminina, por meio do seu soft power. É inegável a influência que o gênero ganha cada vez mais espaço no mundo globalizado, afetando a percepção a nível nacional e mundial. Isso se reflete na divulgação das k-idols como figuras femininas frágeis e sensíveis e, consequentemente, a divulgação da imagem de figuras femininas sul-coreanas como também frágeis e sensíveis.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ABRAHAMSSON, Isabelle. How women are portrayed in K-pop music videos: an example of how gender is constructed in media. 2018.


AMARAL, Rafaela Prado do. Kpop: padrão de beleza, mídia e suas implicações no cotidiano dos grupos femininos na Coreia do Sul. 2019.


RIBEIRO, Arthur; SILVA, Herbertt; XIMENES, Maria; COVALESKI, Rogério. A Representação Feminina no K-Pop e seus Reflexos nos Padrões de Consumo e Comportamento Social. 2017.


WALSH, J. Hallyu as a Government Construct: The Korean Wave in the Context of Economic and Social Development. In: The Korean Wave – Korean Popular Culture in Global Context. Edited by Yasue Kuwahara. 2014.


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