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A relação entre soft power e hard power em Spy Gone North (2018): um comparativo entre as Coreias

Por Anna Venceslau


Nas Relações Internacionais, várias teorias discutem qual deve ser o centro da atuação do Estado, tendo em vista o conceito de anarquia internacional vivida pelos países e a consequente necessidade de sobreviver e se manter no sistema internacional. Isso faz com que surjam diferentes alternativas para que um Estado mantenha o seu status-quo, ou até mesmo tente mudá-lo e se tornar um hegemon, isto é, “um Estado tão poderoso que domina todos os outros Estados no sistema. Nenhum outro possui os meios militares para aguentar um combate sério contra ele” (MEARSHEIMER, 2001, p. 53). Dentre essas maneiras de se impor e fazer a segurança do Estado, tem-se a distinção entre hard power e soft power. No filme “The Spy Gone North” (2018), dirigido por Yoon Jong-bin, é retratado um caso de um espião sul-coreano que tem como objetivo adquirir mais informações sobre o uso de armas nucleares no país vizinho, Coreia do Norte. Porém, no decorrer do filme, percebe-se como a cultura é capaz de interferir nas ações políticas de ambos os países, especialmente em momentos de reaproximação e apaziguamento da tensão entre os dois países.

Entende-se como segurança aquilo que um Estado é capaz de fazer para se defender de um possível ataque externo ou interno. Com base em Cepik (2001), percebe-se que esses ataques são capazes de alterar a balança de poder de um país ou entre os demais envolvidos, assim como também podem afetar os temas que foram escolhidos como prioridade e foco governamental, principalmente aqueles que tenham sido securitizados, a depender do nível de tolerância para com ataques. A segurança pode ser abordada em cinco setores de atuação, os quais determinam, também, qual será o objeto priorizado e os atores. O setor militar de segurança segue a visão tradicional do conceito, sendo o objeto do campo a soberania estatal. Assim como esse setor, o setor político também se preocupa com a organização do Estado e, principalmente, sua estabilidade: os conceitos e ideais que o moldam, o território, seus órgãos e o governo (TANNO, 2003). Em ambos os setores, destacam-se as elites políticas e militares na manutenção de seus interesses, e dizem respeito à manutenção do Estado por meio da proteção de sua soberania contra ameaças (invasões militares, guerras, espionagem, entre outros capazes de questionar a autonomia de um Estado), pautando-se no militarismo e no monopólio e uso da força.

A ênfase dada por essa perspectiva no uso da força e sua preponderância é do que trata o hard power. No caso das Coreias, tem-se o apelo cada vez mais forte pelo país do Norte no aspecto hard do poder, demonstrado pelas marchas militares e ameaças de ataques ao país vizinho, o que é abordado no filme em uma cena na qual agentes dos dois Estados comentam a encenação de uma invasão à Zona Desmilitarizada. Aqui temos, então, dois aspectos importantes do filme demonstrando o hard power: a espionagem e o uso de armas nucleares.

Enquanto a Coreia do Norte se destaca pelo hard power, é possível dizer que, embora também demonstre preocupação quanto a esse aspecto ao instituir serviço militar obrigatório e acordos com os Estados Unidos quanto ao treinamento do Exército, a Coreia do Sul se destaca principalmente no uso do soft power, traduzido como poder brando. No filme, a cena que mais demonstra isso é o encontro de duas artistas de ambos os países a fim de promover atitudes pacíficas de povos antes unidos. A questão é que esse evento não se restringe apenas ao filme, mas também ocorreu em 2018 com a apresentação de artistas sul-coreanos na capital da Coreia do Norte, Pyongyang, entre eles o famoso grupo feminino “Red Velvet”, e, ainda, a presença dos grupos masculinos “BTS” na ONU e “EXO” em reuniões com o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O uso do poder brando pode ser tão interessante quanto o destaque para forças militares e de defesa, em especial pela suavidade com que é feito com base na diplomacia cultural. Para Joseph Nye (2014), o poder é a forma pela qual é possível alcançar seus interesses influenciando o outro, sendo isso feito de três modos distintos: pela coerção e uso da força, pela persuasão e efetuando pagamentos ou recompensas ao indivíduo que se deseja influenciar e, por fim, conquistando, pela atração, o outro. No campo político, para Nye (2014), é plenamente viável que um Estado consiga impor sua agenda e seus interesses em razão da vontade das outras nações em segui-lo, o que torna necessário que os líderes desse país construam agendas de atração, seja para que os demais entes simplesmente o sigam, seja para gerar uma suposta admiração pelos seus ideais. É nesse sentido que se tem, então, o soft power, o qual atua a fim de adaptar as preferências do próximo, mas não pela força militar nem pelo sistema econômico, e sim pelo desenvolvimento de habilitantes que tornem a agenda estatal atraente.

Dessa forma, a Coreia do Sul expande seu setor cultural com programas governamentais desde a década de 1970, com o governo de Park Chung Hee (SOUZA, 2021), fortalecendo ainda mais o fenômeno da “Hallyu Wave” (ou Onda Coreana), que trata da expansão do entretenimento coreano por todo o mundo, até mesmo o Brasil.

O soft power também destaca outros atores nas Relações Internacionais além dos Estados, como os artistas que são escolhidos nas reuniões e representações dos países. Isso evidencia a mudança nas próprias teorias da área, como o surgimento do Construtivismo – que não só se centra nos países e suas relações, mas também enfatiza o poder das comunicações e outros agentes das sociedades que compõem esses Estados. As diferentes maneiras como hard power e soft power apareceram no filme “The Spy Gone North” (2018) demonstram que são duas ferramentas que não só coexistem, como se complementam, podendo ser usado por países que, publicamente, possuem relações conturbadas e, até rivais, mas, internamente, atuam em conjunto a fim de atingir seus interesses.

REFERÊNCIAS


CEPIK, Marco. Segurança Nacional e Segurança Humana: Problemas Conceituais e Consequências Políticas. Security and Defense Studies Review, [S.L], v. 1, p. 1-19, 2001. Disponível em: https://professor.ufrgs.br/marcocepik/files/cepik_-_2001_-_seg_nac_e_seg_hum_-_sec_and_def_review.pdf


MEARSHEIMER, John. The Tragedy of Power Politics. NY: W.W. Norton & Co., 2001. p. 43 – 65.

NYE, Joseph S. The Information Revolution and Soft Power. In: Current History. 2014. Disponível em: https://dash.harvard.edu/bitstream/handle/1/11738398/Nye-InformationRevolution.pdf


SOUZA, Mariana Jussara Machado Gadelha. Reformas educacionais e a ascensão internacional da Coreia do Sul: A onda coreana (HALLYU) como instrumento de soft power. Trabalho de Conclusão de Curso, UEPB, João Pessoa, 2021. Disponível em: http://dspace.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/123456789/23534/1/PDF%20-%20Mariana%20Jussara%20Machado%20Gadelha%20de%20Souza.pdf


TANNO, Grace. A contribuição da Escola de Copenhague aos Estudos de Segurança Internacional. 2003. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cint/a/cmMZVcmhLFZdMgVzB9k6dNw/?lang=pt


The Spy Gone North. Direção de Yoon Jong-Bin. Intérpretes: Hwang Jung-Min; Lee

Sung-Min; Jo Jin Woong. Coréia do Sul: Sanai Pictures, 2018. (137 min.), son., color.



Anna Caroliny Venceslau Venancio da Penha é aluna do curso de Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nascida em Salvador (Bahia), mora atualmente em Florianópolis (Santa Catarina) e tem interesse na área de Segurança, Política Externa e temas de geopolítica que envolvam a Ásia. Ademais, é integrante do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Política Internacional Contemporânea (GEPPIC) e, recentemente, foi aprovada no concurso da Polícia Federal.

Seu instagram é: @annavencesl



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