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A China de Deng Xiaoping, entre mudanças e transformações

Atualizado: 1 de fev. de 2022

Por Estevão Rodrigues

PLATAFORMA. Direção: Jia Zhang-Ke. Produção:Jia Zhang-Ke. China, 2002.


Um cenário de modificações perpassou o território chinês nas últimas décadas do século XX, gerando grandes transformações econômicas, bem como ideológicas. Influenciado pela historicidade do seu país, o cineasta chinês Jia Zhang-Ke lançou no ano 2000, “Plataforma”, um grandioso filme que, por meio da história de um grupo de teatro, intenta transmitir a narrativa histórica da China da década de 80.

A narrativa de “Plataforma” explicita a transformação de uma sociedade abrangida por um governo autoritário, onde a vigilância e o tradicionalismo estão sempre presentes, limitando os fazeres sociais e denotando sobre os indivíduos uma exacerbada alienação. Por meio da trajetória de um jovem grupo de teatro, o filme mostra ao espectador o contexto da historicidade da obra, ressaltando os panoramas contemporâneos à narrativa do filme, como o repúdio ao capitalismo, o fanatismo ideológico e a política de controle da natalidade.

Ao evidenciar a história do grupo de teatro, “Plataforma” tem como pano de fundo as problemáticas decorrentes de uma economia deficiente, vítima de uma transição enraizada em velhos estigmas ideológicos aliada a um cenário permeado de pobreza e miséria. Essa obra retrata o ilusionismo presente no pensamento da sociedade chinesa, a qual vislumbrava o partido comunista como promotor de um bem comum e defensor dos desamparados, negligenciando o seu excessivo controle comportamental.

Ao transcorrer do filme, Jia Zhang-Ke empreende esforços para mostrar ao espectador as modificações advindas da abertura econômica chinesa. Por meio da obra, o cineasta apresenta as antíteses de um país abarcado por novas perspectivas socioeconômicas, mas com ideologias e tradicionalismos arraigados, mesmo que implicitamente, e influenciado por concepções maoístas. Isto evidencia que, embora mudanças políticas estivessem em curso, velhos pensamentos permaneciam presentes.

Em “Plataforma”, a narrativa da mudança é tecida no decorrer da obra, mostrando a transformação econômica chinesa e, consequentemente, a do grupo de teatro. A chegada de novos costumes e a permissão para certos hábitos como fumar cigarro, por exemplo, permeia a trupe de teatro, introduzindo novos aspectos como as inovações musicais e a moda ocidental.

Fora do âmbito cinematográfico, a realidade seguiu verossímil com a narrativa do filme. “Plataforma” retrata as mutações decorrentes da abertura do mercado chinês e suas consequências sobre uma sociedade amalgamada de ideologias e falsos moralismos. A chegada de Deng Xiaoping ao cargo de chefe supremo da China permeou esse território com um novo pensamento, mas persuadido por velhos estigmas. A partir desse momento, a sociedade chinesa presenciara a introdução de uma nova ótica, que vislumbra o crescimento, seja econômico ou social, como instância máxima do fazer político.

Ao abrigo do governo de Deng Xiaoping, a China maoista foi enquadrada em um contexto de reformas. “Não se poderia prever, por exemplo, um seguidor de longa data de Mao Tse-Tung, [...] usaria o poder do Partido Comunista Chinês para introduzir a economia de mercado em seu país.” (GADDIS, 2006, pg. 206). Novos preceitos foram inseridos no país, assim como a viabilização do contato com a cultura ocidental, pois uma nova situação econômica e social emergia na China do final do século XX. Deng Xiaoping não pretendia desertar o comunismo, apenas aplicá-lo de forma adequada.

As transformações decorrentes do novo regime colocaram os chineses em um novo patamar. O velho país se edificava como um grande Estado, inaugurando uma era de inovações em sua sociedade, tendo a estabilidade social e política como aspectos soberanos. A China reduziu grandemente o papel ideológico na política econômica, gerando uma grandiosa reforma em sua economia. Para Deng, “[...] qualquer coisa que funcionasse era coerente com princípios marxista-leninistas.” (GADDIS, 2006, pg. 207)

É factual que em “Plataforma”, Jia Zhang-Ke tece com maestria uma análise do período transformacional da economia chinesa. Por meio da concepção de cinema político, a ótica da mudança é retratada no filme, servindo de cenário para o transcorrer de uma narrativa que conduz a experiência da mudança e a trajetória de um grupo de jovens de teatro como instância máxima de um enredo. É inegável que a obra cinematográfica está alicerçada em um contexto existente, retratando uma história perpassada pela ficção, mas com apoio na realidade. Mediante uma linguagem clara e objetiva, o filme evidencia aos indivíduos os efeitos de uma transformação econômica num país altamente autoritário e tradicionalista.

“Plataforma” é um filme dedicado a todos aqueles que expressam um desejo pelo conhecimento, de estudantes a meros admiradores da história chinesa. Essa obra discorre com destreza sobre os impactos sociais da abertura econômica da China, possibilitando compreender a problemática pelo viés imagético. O filme mostra ao espectador o cenário presente na China do final do século XX, evidenciando os desacordos de uma sociedade abarcada pela mudança, mas presa aos estigmas ideológicos. Uma atenção, no tocante às transformações provocadas pela abertura do mercado chinês, todavia, é essencial, dado que esse aspecto é evidenciado pelo filme de forma sutil. Dessa maneira, se o espectador tiver um certo conhecimento histórico chinês, melhor será a compreensão do filme.


REFERÊNCIAS


GADDIS, John Lewis. Guerra Fria. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 2006.

PLATAFORMA. Direção: Jia Zhang-Ke. Produção:Jia Zhang-Ke. China, 2002


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