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Caos Institucional no Peru sob o Sendero Luminoso: entenda


Por Bruna Ballestero

No Peru das décadas de 1980 e 1990, a insurgência promovida pelo Sendero Luminoso — um movimento guerrilheiro radical maoísta — e o uso indiscriminado da violência por parte do Estado para conter a insurgência, contribuíram para o enfraquecimento do poder estatal e das instituições políticas, sociais e econômicas do país. A retração das instituições peruanas, a crise socioeconômica e a violência promovidas nos governos de García e Fujimori contribuíram para a rápida expansão do Sendero Luminoso no fim da década de 1980 e início dos anos 1990, o qual avançou sua presença e autoridade nos subúrbios de Lima ao preencher o vácuo de poder deixado pelo Estado.[1]

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O uso da violência para fins políticos — a chamada violência política — , tanto por parte do governo quanto por parte do Sendero Luminoso, fomentou a descrença da população nas instituições econômicas e no aparato burocrático do Estado peruano, ocasionando um silenciamento da sociedade civil. Nos primeiros dias do mandato de Fujimori em 1990, houve a implementação de um programa de austeridade desenhado para conter a hiperinflação e reequilibrar contas do governo, que fez com que o número de peruanos vivendo na pobreza dobrasse em poucos dias, de 6 para 11 milhões[2]. Entretanto, mesmo com o declínio da legitimidade do Estado peruano e a extrema pobreza ocasionada pelas reformas, não houve protestos sociais expressivos, nem por grupos organizados, nem de forma espontânea. Como forma de garantir proteção contra a violência e a cultura do terror protagonizadas pelo governo de Fujimori, a população passou a se engajar em grupos armados, como as guerrilhas, o que lhe permitiu obter mais benefícios da atividade predatória em detrimento da mobilização social popular.

À luz do desenho institucional predatório do fim da década de 1980, cresceu entre a sociedade civil um sentido de descrença nas instituições peruanas, que fez com que as mobilizações populares perdessem seu poder de mudança perante o governo. Nesse sentido, a população teve incentivos para promover a violência política em detrimento de manifestações populares. Ou seja, a repressão e a violência por parte das instituições nacionais como forma de dissuadir a participação em protestos contra o Estado podem criar incentivos para que a população, por sua vez, se mobilize em grupos armados. O Sendero Luminoso conseguiu mobilizar incentivos para que a população se submetesse ao recrutamento de membros no período, como a proteção contra violência do Estado peruano, a aquisição de armas, o oferecimento de empregos informais e a imposição de métodos coercitivos às populações rurais e suburbanas de Lima. Assim, a guerrilha expandiu-se e tomou o lugar do Estado ao mobilizar incentivos materiais que ofereceram à população oportunidades de expropriar recursos ao engajar na atividade violenta coletiva.

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A contínua expansão do Sendero Luminoso e da violência política no Peru ocorreu em meio ao desgaste das instituições peruanas ao longo da década de 1980 e, principalmente, com a ascensão de Fujimori e suas políticas econômicas neoliberais. Em seu governo, a concentração do poder nas mãos do Executivo e a reforma institucional após o autogolpe reduziram os mecanismos de accountability que restringiam o poder de Fujimori. Uma das esferas em que isso foi reconhecido foi a diminuição dos controles administrativos, anteriormente exercidos pelos três Poderes sobre os atos do líder Fujimori. A violência e o medo promovidos pelo Estado nesse contexto, principalmente em função da militarização da polícia, debilitaram a capacidade da sociedade civil de desafiar o caráter autoritário do Estado sob Fujimori. A população se viu ao mesmo tempo ameaçada pelo governo de Fujimori e pelo Sendero Luminoso. Assim, os níveis de violência política aumentaram à medida que parte da população se uniu à guerrilha, que, por sua vez, se promoveu em meio à crescente aceitação social do autoritarismo, do declínio da legitimidade do governo e da retração estatal em políticas públicas de educação, saúde, ordem e segurança.

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O Estado peruano era incapaz de concentrar o poder para prover bens públicos necessários à população, para aplicar as leis de maneira igualitária e para promover a resolução pacífica de conflitos. Isso criou condições para que, em seu lugar, atuasse o Sendero Luminoso, inicialmente nas províncias rurais, e depois nos subúrbios de Lima, ao preencher o vácuo deixado pelo Estado. Para além da falta de accountability do líder Fujimori, a dificuldade de garantir rule of law efetivo — que submeteria todos os indivíduos a um conjunto de leis, padronizando seus comportamentos e criando restrições acerca do uso da violência — significou a continuidade de um Estado institucionalmente fraco e personalista. No caso peruano, entre 1985 e 1992, o Legislativo e o Judiciário tinham poderes reduzidos frente à patronagem promovida pelo Executivo e capacidade limitada de contestação da implementação de políticas estatais, o que ocasionou ineficiência da burocracia estatal em conter a violência política no país. Isso abriu caminho para o Decreto Ley 25418 (1992) por Fujimori, que estabeleceu a reorganização do poder estatal e a remoção do Sistema de Freios e Contrapesos — também chamado de Teoria da Separação dos Poderes, de Montesquieu —, o qual consistia na autonomia do Legislativo, Judiciário e Executivo para exercerem sua função, ao mesmo tempo que seriam controlados pelos outros Poderes. Assim, o Decreto Ley eliminou mecanismos de accountability democrática, que serviam para evitar que houvesse abusos no exercício da autoridade por qualquer dos Poderes, ao anunciar a dissolução do Congresso e revelar esquemas de corrupção no corpo judicial.

O impacto da debilidade institucional do Estado peruano no fim dos anos 1980 e início de 1990 — evidente no colapso econômico, na hiperinflação, no desemprego elevado, no crescimento do crime e da desordem social e na massificação da pobreza — levou ao declínio da confiança da população na autoridade estatal. As instituições estruturam incentivos que promovem padrões comportamentais e determinam quão dispostos os atores sociais estarão ao uso da força a fim de atingir seus objetivos políticos. A crise das instituições econômicas, das regras do jogo como accountability e rule of law e o uso indiscriminado da força pelo governo Fujimori exacerbaram o sentimento da população de insegurança pessoal e coletiva. Isso incentivou medidas extremas por parte da população para solucionar ou lidar com problemas de crime, desordem e incerteza econômica, como recorrer à violência política junto ao Sendero Luminoso e soluções individuais, incluindo a segurança privada e a montagem de milícias rurais.

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O enfraquecimento das instituições estatais em função da violência política propagada pelo Sendero Luminoso e pelo governo implicou uma longa persistência da crise socioeconômica. Com dificuldade de implementar políticas públicas eficazes devido ao desequilíbrio de poder dentro do aparato estatal, o Executivo concentrou poder de decisões macroeconômicas e sociais, prolongando os efeitos das políticas de 1980 e 1990: até 2005, 55% da população peruana ainda sofria com pobreza [3].




[1] Este texto é derivado do livro Political Violence and the Authoritarian State in Peru, de Jo-Marie Burt, em que a autora apresenta como os métodos violentos usados pelos dois atores — a insurgência e o governo — exploraram injustiças sociais na sociedade civil peruana para avançar seus interesses políticos.


[2] A estimativa é corroborada pelas estatísticas oficiais do governo peruano de 1994. Neste ano, 54% da população (13 milhões de pessoas) viviam em estado de pobreza crítica, definido como “renda insuficiente para prover uma cesta básica para uma família de 5 pessoas”. Dentro deste grupo, 23% sofria de pobreza extrema, categorizada como “renda insuficiente para garantir as necessidades nutricionais mínimas para uma família de 5 pessoas”. Fonte: Fondo de Cooperación para el Desarrollo Social (FONCODES), “El Mapa de la Inversión Social: Pobreza y Actuación de FONCODES a nivel departamental y provincial”. Lima: Instituto Cuanto and UNICEF, 1994.


[3] Dados da BBC. "Como O Peru Conseguiu Reduzir 50% Da Pobreza Em 10 Anos - BBC News Brasil". BBC News Brasil, 2017, https://www.bbc.com/portuguese/internacional-38544248. Accessed 16 Sept 2021.




Referências:


ACEMOGLU, Daron; JOHNSON, Simon; ROBINSON, James. “Institutions as a Fundamental Cause of Long-Run Growth.” In: DURLAF, Steven; AGHION, Philippe. Handbook of Economic Growth. Londres: Newnes, 2005.


BURT, Jo-Marie. Political Violence And The Authoritarian State In Peru. 1st ed., Palgrave Macmillan US, 2007.


Decreto Ley no. 25418 de 6 de abril de 1992. Archivos.Juridicas.Unam.Mx, 2021, https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/5/2205/48.pdf . Accessed 8 Sept 2021.


Fondo de Cooperación para el Desarrollo Social (FONCODES), “El Mapa de la Inversión Social: Pobreza y Actuación de FONCODES a nivel departamental y provincial”. Lima: Instituto Cuanto and UNICEF, 1994.


FUKUYAMA, Francis. “Political Order and Political Decay: From the Industrial Revolution to the Globalization of Democracy.” Nova Iorque, 2014, Ch. 1-3.


OLSON, Mancur. A Lógica da Ação Coletiva: Os Benefícios Públicos e Uma Teoria dos Grupos Sociais. Edusp, 1999.


NORTH, Douglass C. “Institutions, Institutional Change and Economic Performance.” Cambridge: Cambridge University Press, 1990.


"Shining Path, Tupac Amaru (Peru, Leftists)". Council On Foreign Relations, 2021, https://www.cfr.org/backgrounder/shining-path-tupac-amaru-peru-leftists . Accessed 10 Sept 2021.


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