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O que é violência obstétrica?

Por Mainara Gomes

Recentemente, um caso de violência obstétrica cometido contra a influencer digital Shantal Verdelho, em setembro de 2021, tornou-se manchete nos principais meios de comunicação. De acordo com Shantal, durante o parto, o médico responsável proferiu mensagens ofensivas e palavras de baixo calão ao expor as suas partes íntimas, além de propor medicações e a episiotomia. Porém, esse não é um caso isolado, haja vista que, no Brasil, uma em cada quatro mulheres é vítima desse tipo de violência (FUNDAÇÃO ARTEMIS, s.d), ao passo que, a América Latina é considerado “o continente mais violento para nascer”. Tomando o caso de Shantal como exemplo, pretende-se avaliar neste texto como os países da América Latina tratam o tema.


O QUE É VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA?


Mas, afinal, o que é a violência obstétrica e por que ela é uma violência aos direitos humanos das mulheres? O termo “violência obstétrica”, criado pelo médico Rogelio Pérez D’Gregorio, surgiu na América Latina no ano 2000. O termo é usado para descrever situações de violações de direitos das mulheres durante a gravidez, o parto, o pós-parto e em casos de abortamento. Esta prática é considerada internacionalmente uma violência contra a mulher e, por isso, uma violência de gênero. A luta contra a violência obstétrica remete ao movimento pela humanização do parto e da medicina baseada em evidências no final do século passado (MATOS et al, 2013).

Até o início da década de 1960, aproximadamente, o parto era considerado um processo natural, realizado pelas parteiras. Porém, esse trabalho passou a ser cada vez menos frequente, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, devido à “institucionalização do parto”. Desde então, o parto passou a ser realizado por médicos, homens, que optavam por procedimentos invasivos e muitas vezes desnecessários, como a episiotomia, por exemplo.

Para questionar esse tipo de prática surge, em meados da década de 1980, o movimento pela “humanização do parto”, com o objetivo de resgatar a autonomia da mulher durante o parto e resgatar a percepção de parir como algo natural e humanizado, sem a necessidade de intervenções que, em sua maioria, são desnecessárias. Assim, o termo “violência obstétrica” foi e é bastante importante na luta do movimento feminista, uma vez que diz respeito às violações cometidas contra as mulheres antes, durante e após o parto.

Um dos problemas mais recorrentes e sujeitos à violência obstétrica é a cesariana. A Organização Mundial da Saúde recomenda que esta intervenção ocorra em até 15% dos partos, devendo ser realizada somente quando necessária (OMS, 2015). Outro procedimento por vezes desnecessário, mas bastante recomendado, é a episiotomia. Esta intervenção pode causar maior perda de sangue, mais dores durante o parto, além de aumentar o risco de infecção, de hemorragia, dores na hora do ato sexual, e gerar problemas em longo prazo (LEAL, 2014). O documento chamado “Parirás com Dor” evidencia que esse procedimento é realizado em, aproximadamente, 94% dos partos normais no Brasil, sendo que a taxa recomendada pela OMS é entre 10% a 30% (LEAL, 2014).


COMO OS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA REAGEM A ESSA PRÁTICA?


Na América Latina, a luta contra a violência obstétrica teve início na década de 1990, a partir do movimento “Medicina Baseada em Evidências”. No entanto, é a partir da década de 2000 que os países latino-americanos começam a enquadrar a violência obstétrica como uma questão de saúde pública. Entretanto, apenas a Venezuela, a Argentina e o Suriname possuem leis federais tipificando-a e considerando-a uma violência contra as mulheres, sendo que apenas o Suriname a considera um crime.


  • ARGENTINA: foi o primeiro país da América Latina a reconhecer a violência obstétrica pela lei do parto humanizado (SOARES, BASANI, 2018), além de ter uma série de leis sobre o direitos do paciente; proteção da violência contra a mulher; proteção à gravidez e ao recém-nascido e de proteção integral às mulheres.


  • SURINAME: em 2009, por meio de uma reforma do Código Penal, categorizou a violência obstétrica como um crime, inserindo-a em suas leis penais.


  • VENEZUELA: no país também existem leis que versam sobre o tema, como a “Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre da Violência” que, ao definir o que é a violência obstétrica, configura a prática como uma violação à autonomia das mulheres, uma vez que as impossibilitam de decidir a respeito da sua sexualidade e do seu corpo.


  • BRASIL: a partir de 2000, o país intensificou as políticas normativas e públicas a respeito das violências cometidas contra as mulheres no período da gravidez, parto e pós-parto. No ano de 2011, instituiu o programa chamado “Rede Cegonha”. Entretanto, o país carece de uma lei federal a respeito do tema, reservando aos estados esta responsabilidade. O Brasil possui uma das taxas de cesariana mais altas do mundo, onde uma em cada quatro mulheres sofre violência obstétrica. Esse tipo de violência também envolve casos de violência psicológica, física, assédio moral, negligência, intervenções desnecessárias, entre outros.


CONCLUSÃO


Percebe-se que a violência obstétrica ainda é um assunto pouco discutido em âmbito nacional na América Latina. Embora alguns países tenham leis que especificam a prática, os dados continuam alarmantes e a prática continua sendo corriqueira. Nesse sentido, são os movimentos sociais ou os próprios profissionais que precisam fazer a conscientização, tentando erradicar a prática.


*** Este texto é uma readaptação do escrito – e não atualizado – em 2019. Para ler o original: https://www.tjsc.jus.br/documents/715064/0/E-book+livro+4/ecfd98fe-0f17-9530-8f03-2b5217890be7


REFERÊNCIAS


ASSOCIAÇÃO ARTEMIS. Violência Obstétrica. Disponível em: <https://www.artemis.org.br/violencia-obstetrica>. Acesso em: 20 jan. 2022.


ELY, L. América Latina é o continente mais violento para nascer. Instituto Humanitas Unisinos, 2017. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/571452-america-latina-e-o-continente-mais-violento-para-nascer>. Acesso em: 20 jan. 2022.


G1. 'História realmente pesada', diz influencer Shantal em rede social após denúncia de violência obstétrica. 2021. G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/12/14/historia-realmente-pesada-diz-influencer-shantal-em-rede-social-apos-denuncia-de-violencia-obstetrica.ghtml>. Acesso em: 19 jan. 2022.


LEAL, M. do C. et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cadernos de Saúde Pública, Online, v. 30, n. 1, p.17-32, ago. 2014. FapUNIFESP (SciELO). Disponível em: <https://bit.ly/2KXkN4G>. Acesso em: 05 jun. 2019.


MATOS, G. C et al. A trajetória histórica das políticas de atenção ao parto no Brasil: uma revisão inegrativa. Revista de Enfermagem: UFPE Online, Recife, v. 7, n. 3, p.870-878, mar. 2013. Disponível em: <https://bit.ly/2KVIaLV>. Acesso em: 28 jun. 2019.


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Declaração da OMS sobre a taxa de cesáreas. 2015. Disponível em: <https://bit.ly/2YYH63N>. Acesso em: 14 jul. 2019.


SANTOS, M. T. O que é a episiotomia e quando ela deve ser feita no parto. Veja, 2021. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/medicina/o-que-e-a-episiotomia-e-quando-ela-deve-ser-feita-no-parto/>. Acesso em: 19 jan. 2022.


SECRETARIA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE. Rede Cegonha. Ministério da Saúde. Disponível em: <https://aps.saude.gov.br/ape/cegonha>. Acesso em: 19 jan. 2022.


SOARES, C. S; BASANI, A. B. Violência Obstétrica. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 12, Vol. 01, pp. 53-79, dez, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/31JKb4O>.

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