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Realismo x Idealismo nas RI e Capitão América: Guerra Civil

Atualizado: 1 de fev. de 2022




Capitão América: Guerra Civil foi lançado em 2016, produzido por Anthony Russo e Joe Russo, agradou os críticos e foi um grande sucesso entre os admiradores da Marvel e de seus super-heróis. A história mostra a divisão dos Vingadores em dois grupos. Em uma missão dos Vingadores - organização de caráter privada, administrada pelos super-heróis - em Sokovia, que foi mal sucedida, ocorreram inúmeros danos físicos, destruição de bens privados e vidas perdidas. Isso levou à criação do Tratado de Sokovia, assinado por 117 nações, o qual propunha que os Vingadores não tivessem mais poder de ação ilimitado e passassem a atuar apenas sobre o supervisionamento da Organização das Nações Unidas (ONU).


O Capitão América (Steve Rogers) não concorda com a assinatura do tratado, levando Feiticeira Escarlate, Falcão, Gavião Arqueiro e Homem-Formiga a tomarem seu lado. Ele argumenta que assim perderiam sua liberdade e não poderiam atuar conforme os ideais que acreditavam, mas se submeteriam aos interesses de uma organização internacional, sem autonomia. Já o Homem de Ferro (Tony Stark), ao discordar de Steve Rogers, ganha o apoio da Viúva Negra, Máquina de Combate, Visão e Homem-Aranha, com a ideia de que para a segurança dos civis era, sim, importante que eles se submetessem a serem observados. A divisão entre os Vingadores permite associar o filme, em questão, ao primeiro debate das relações internacionais. O debate ontológico, foi originado da dicotomia entre as visões opostas realistas e liberais (idealistas) e buscava entender o funcionamento e a natureza do sistema internacional, . Segundo Pecequilo (2016) para cada uma das correntes prevalece, desta forma, uma maneira de observar o mundo, ou pelo viés do poder ou pelo viés da cooperação e da paz .


O primeiro grande debate das Relações Internacionais surge no contexto entre guerras, no qual o campo das relações internacionais começa a ganhar visibilidade e pesquisas começam a ser elaboradas acerca do tema. Esse debate é baseado nas visões idealistas que descreviam a construção da ordem mundial implementadas pelo presidente norte-americano Woodrow Wilson, em 1918, e a crítica de E.H Carr a essa visão. O que Carr questionava era que os estudos das relações internacionais não poderiam ser realizados por meio de construções utópicas, que ignorassem o poder, visto como o principal elemento político. E que ignorar esse fator como central na produção de uma teoria não seria coerente com a realidade da natureza humana que almejava alcançar o poder.


Logo, é possível usar da dicotomia no filme de Anthony e Joe Russo para compreender o primeiro debate de Relações Internacionais. Capitão América: Guerra Civil permite fazer uma analogia da escolha de Stark com a corrente realista, pois ele demonstrava preocupação a respeito do conceito de poder, e o via como perigoso se manuseado de forma errada, visto que achava certo se submeter às leis e às ordens impostas, sem as questionar, para que a paz e a segurança fossem mantidas e não houvesse mais danos físicos ou materiais, desnecessários aos civis. A ideia que Stark traz ao longo do filme da existência do poder e da necessidade de respeitar ele pode se relacionar com a tentativa de explicar as relações sociais com base no poder e na busca por sua maximização, em um sistema internacional anárquico, da corrente realista. Explicar as relações sociais com base no poder e solucionar problemas no que tange às organizações das comunidades, são pensamentos comuns entre Tucídides (460-406 a.C), Maquiavel (1469-1527), e Thomas Hobbes (1588-1679), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Max Weber (1864-1920) citados como representantes do realismo pré-século XX, suas raízes encontram-se na Ciência Política e na Sociologia (PECEQUILO, 2016). Subjacente a todas essas reflexões encontra-se uma natureza humana conflitiva, sedenta pelo poder e a glória, e egoísta na procura de seus objetivos na preservação de seus interesses e conquistas (PECEQUILO, 2016, p. 27). Aprimorando essa visão da natureza conflitiva do homem e ávida por poder, E.H Carr, na primeira metade do século XX, fornece as bases para as reflexões de Morgenthau, esse último traz a ideia de que os Estados buscam maximizar, demonstrar e preservar o poder. Além disso, em um de seus princípios do realismo político ele aborda que as leis morais universais regem as relações interpessoais mas não o posicionamento das decisões dos Estados.


O Secretário de Estado estadunidense, quando foi convencer os Vingadores a assinarem o tratado, os diz que muitos os veem como heróis mas outros os veem como ameaça a suas seguranças, portanto, os governos do mundo não poderiam aceitar mais suas atuações sem supervisão. Essa questão permite relacionar a ideia do sistema internacional anárquico, descrita na teoria realista, em que os estados são soberanos e autônomos sobre suas ações e não existem instituições de poder de ordem superior aos Estados. Juntamente a isso, com a falta da obrigatoriedade de cumprimento de caráteres éticos e morais pode ocorrer a perpetuação de conflitos, nesse sistema. Na cena do filme a qual Stark faz o seguinte comentário “Não estamos aqui para tomar qualquer decisão, temos que ser controlados. Se não aceitamos limitações somos desgarrados, não somos melhores do que os vilões’’ permite associar ao poder dos Estados, que na busca pela sua maximização, ao tomarem decisões imprudentes podem levar, em um sistema anárquico, a grandes desastres sem precedentes.


Por outro lado, Capitão América nos traz um olhar de busca pela cooperação, valorização da ética e do moralismo, além de ao escolher não assinar o tratado de Sokovia visa os ideais democráticos, premissas liberais. O liberalismo tem, por sua vez, quatro pontos básicos: a democracia, o livre-comércio, o estabelecimento de instituições e a questão da interdependência das nações. A ideia da democracia se faz clara na fala de Rogers para Stark “(...) e se esse painel nos mandar para algum lugar que não quisermos ir e se algum lugar precisar de nós e não permitirem…’’. Além disso, a busca de Rogers para cooperar com quem precisa de sua ajuda é clara quando afirma que seu maior ideal “é conseguir salvar o maior número de pessoas possíveis’’ e continua dizendo que assinar um tratado só transferiria a culpa das perdas que ocorressem nas missões para outras mãos e limitaria a possibilidade de alcançar sua meta. Conforme elucidado por Pecequilo (2016) a teoria da integração, pertencente ao liberalismo, diz que o conflito não é o padrão exclusivo dos relacionamentos estatais e pode ser superado, a partir do comportamento dos agentes envolvidos que valorizam a cooperação (PECEQUILO, 2016). Contudo, ao contrário do que critica o realismo o liberalismo não é uma corrente utópica que baseada na crença da bondade humana acredita que o sistema internacional vai alcançar a paz e a estabilidade, mas entende que Estados são atores racionais e adversos ao risco, e por meio de cálculos de custo benefício buscar ganho absoluto e lucro individual. Assim como Rogers que busca a liberdade das suas escolhas e cooperação, o liberalismo internacional considera como indica Fernandes (2017) que, apesar do sistema internacional ser anárquico, existe na humanidade uma consciência comunitária, e sua crença é de que a possibilidade de progresso no sistema internacional é alcançada por meio de cooperação e evolução para uma paz duradoura, com prosperidade e bem-estar social, fundada em valores e aspirações partilhados pelos seres humanos


Pode-se afirmar, então, que o primeiro debate teórico nas relações internacionais foi um debate de fundo ontológico, discutia-se o que deveria ser estudado: ser com os idealistas ou o ser com os realistas (BRAGA, 2013, p. 60). Portanto, assim como houve uma dicotomia entre as opiniões de Rogers e de Stark na busca pelo lado “correto’’ assim também se deu a divisão das correntes teóricas que divergiam a respeito da natureza do sistema internacional.


Assim como na última luta do filme em que há um empate no qual nem Rogers nem Steve saem ganhando, também não é possível afirmar que houve um “vitorioso’’ nesse debate e que apenas uma dessas correntes teóricas possuem a verdade absoluta sobre a natureza das relações internacionais. Enquanto no filme companheiros de combate entram em conflito sobre como deve ser organizada a atuação deles, enquanto grupo para salvar o mundo, liberais e realistas entram em atrito a respeito da natureza pela qual esse mundo é organizado. De um lado buscando obedecer a critérios morais ou a outros princípios, como normas jurídicas ou legais, na corrente liberal e no outro seguem a premissa de que os tomadores de decisão dos Estado podem agir da forma que melhor sirva aos seus desígnios e interesses, com propósito de maximizar seu poder. Tratam de teorias opostas em suas naturezas, mas que também podem ser complementares, visto que nenhuma consegue, sozinha, descrever de forma absoluta e efetiva o funcionamento do sistema internacional. Tais teorias continuaram sendo aprimoradas e debatidas, buscando a evolução dos estudos do campo internacional, dando origem ao segundo e ao terceiro debate no campo das relações internacionais, O segundo de carácter metodológico, que visa o levantamento de dados e a busca por resultados mais práticos. E o terceiro debate, metateórico, que questiona as bases filosóficas dessas teorias e deu origem às teorias neoliberais e neorrealistas.



Ficha técnica:


Filme: Captain America: Civil War

Ano: 2016

País: EUA

Classificação: LIVRE

Duração: 2h 26 min

Direção: Anthony Russo e Joe Russo

Roteiro: Christopher Markus, Stephen McFeely

Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr., Chadwick Boseman, Anthony Mackie, Scarlett Johansson


Referências:


BRAGA, N. R. C. F. Perspectivas positivistas e pós-positivistas nas relações internacionais: as divergências epistemológicas levariam a distinções em seu modo de fazer ciência? Pólemos, Brasília, v. 2, n. 4, p. 60, 2013.


FERNANDES, Vítor Ramon. Idealismo e realismo nas relações internacionais um debate ontológico. E-journal of International Relations. Vol. 7, Nº. 2, 2017. Disponível em: https://observare.autonoma.pt/janus-net/wp-content/uploads/sites/2/2020/11/pt_vol7_n2_art2.html. Acesso em: 08 jan 2022.


PECEQUILO, Cristina. Teoria das Relações Internacionais: O mapa do caminho – teoria e prática. Rio de Janeiro: Editora Alta Books, 2016. 56p.




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