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Por que nossos produtos “in natura” são exportados e caros no mercado nacional?

Por: Letícia Farias

Historicamente, o comércio surgiu a partir da troca de produtos de interesse entre grupos e povos. Com a evolução da humanidade e a criação de Estados, relações comerciais com alguns países que tinham determinado produto em abundância, em relação a outros, mudaram a forma de fazer comércio mundialmente. No Brasil, isso ocorreu em 1808 com a chegada da Corte Portuguesa, que publicou a Carta Régia de Abertura dos Portos às Nações Amigas, que possibilitava a exportação de todos os produtos brasileiros, exceto o pau-brasil, por meio de pagamento de impostos. Dessa forma, o Brasil passou a ter autonomia sobre seu comércio exterior e passou a exportar seus principais produtos da época: café, açúcar, algodão e borracha.

No século XX o Brasil se desenvolveu no comércio exterior, sendo responsável por 97% da produção mundial de borracha. Já no início do século XXI, o país reformulou seus incentivos às exportações e executou uma abertura comercial com redução de tarifas de importação. Conjuntamente, o Mercosul foi criado, o que estimulou o comércio entre os países da América Latina. Além disso, também foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC) cujo objetivo é cooperar para o desenvolvimento comercial dos países membros regulando as relações comerciais entre eles. A partir dos anos 2000, a presença das exportações do país se tornou mais intensa no comércio internacional, decorrente do crescimento econômico global e aumento dos preços mundiais.

Atualmente, o Brasil está entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo. De acordo com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, 2021), o país é responsável por 50% do mercado mundial de grãos, ocupando o 4º lugar no ranking atrás de EUA, China e Índia, sendo o maior produtor de soja e exportador de milho, assim como açúcar, café, carne, algodão e produtos florestais.

Tendo em vista esse potencial exportador do país e os produtos “in natura” em abundância, por que estes são de baixa qualidade e mais caros no mercado nacional? Isso pode ser explicado através da Teoria da Vantagem Comparativa, mas, para isso, é preciso conhecer a Teoria das Vantagens Absolutas. Adam Smith preconizou a Teoria das Vantagens Absolutas, em que o produto com menor custo de produção deveria ser o foco de produção do país, enquanto aqueles com custos de produção mais elevados deveriam ser trocados com países em que os mesmos tivessem menores custos de produção. A maior questão nessa teoria é que o comércio internacional (que beneficia a todos) só se dá entre nações que possuem vantagem e desvantagem em pelo menos um produto. David Ricardo desenvolveu essa ideia com a Teoria das Vantagens Comparativas (FERNANDES, WANDER e FERREIRA, 2008). Em outras palavras, cada país deve produzir somente aquilo que produz melhor.

A existência de vantagem comparativa é um determinante clássico da concorrência global. Quando um país possui vantagens significativas quanto ao fator custo e ao fator qualidade empregados na fabricação de um produto, ele será local de produção e as exportações fluirão dele para outras partes do mundo. Nessas indústrias, a posição estratégica da empresa global nos países com uma vantagem comparativa é crucial para a sua posição no nível mundial (PORTER, 2004). Para Ricardo, cada país deve se especializar no produto que tenha um custo de produção relativamente menor e deverá importar um bem cuja produção possui um custo relativamente maior. Nesse sentido, cabe analisar a tabela abaixo:

Fonte: Gabriel dos Santos Rocha Matos (UNB)


Em uma economia X, dois agricultores podem optar por produzirem bananas ou maçãs. Se o agricultor A escolher bananas, ele produzirá 10, se escolher maçãs, produzirá 20. Nesta situação, o custo de oportunidade do agricultor A de produzir bananas é de 20 maçãs e o custo de oportunidade de produzir 20 maçãs é de 10 bananas. Já o agricultor B, possui o custo de oportunidade de produzir 20 bananas de 10 maçãs e o custo de oportunidade de produzir 10 maçãs de 20 bananas.

Neste exemplo acima, pode-se observar que o agricultor A possui vantagem comparativa em relação ao agricultor B na produção de maçãs, assim como o agricultor B possui vantagem comparativa em relação ao agricultor A na produção de bananas. Se ambos seguirem o modelo de David Ricardo, cada um se especializará no bem que possuir menor custo de oportunidade, ou seja, agricultor A produzirá maçãs e agricultor B bananas e, ao final, farão comércio desses bens.

Imagine que você é um produtor de carne no Brasil. A população, devido a inflação, não está conseguindo comprar muita carne, sendo assim, seu mercado local está “pequeno”. Para manter sua rentabilidade e produção, você busca compradores em outros países. Como esses países não produzem carne, pagam um bom valor por sua produção. Ao longo do tempo, você percebe que é mais lucrativo vender seus produtos para esses países, visto que está lucrando em dólar e não vendendo em reais no Brasil. Assim, começa a focar na exportação, que também é incentivada pelo governo, como visto no início do texto, e deixa o mercado local de “escanteio”.

Esse é o raciocínio por trás do comércio no Brasil. Isso ocorre não só com a carne, mas com os demais produtos também. A vantagem comparativa de exportar produtos "in natura" (folhas, frutas, verduras, legumes, ovos, carnes e peixes) que não existem em outros países supera o custo de investir em uma indústria que levaria muito tempo para obter produtos industrializados que concorrem com os de outros países. Ou seja, levando em consideração que o Brasil é um país grande em exportação de commodities, é mais vantajoso vender os bens e lucrar em dólar, do que investir na criação de indústrias de outros produtos, pois esta é uma vantagem comparativa de outros países em relação ao nosso.




REFERÊNCIAS


A “Carta de abertura dos portos” *. BNDigital. Disponível em: <http://bndigital.bn.gov.br/artigos/a-carta-de-abertura-dos-portos/>. Acesso em: 3 Mar. 2022.


‌Comércio exterior no Brasil: conheça mais de sua história. Energy. Disponível em: <https://energy.com.br/blog/comercio-exterior-no-brasil-conheca-mais-de-sua-historia/>. Acesso em: 3 Mar. 2022.


‌EQUIPE FIELDVIEW. Quem são os 5 Maiores Produtores Agrícolas do Mundo. Climatefieldview.com.br. Disponível em: <https://blog.climatefieldview.com.br/maiores-produtores-agricolas-mundo>. Acesso em: 3 Mar. 2022.


‌Fernandes, S.M.; Wander, A.E.; Ferreira, C.M. Análise da competitividade do arroz brasileiro: vantagem comparativa revelada. Goiás, 2008, 11 p. XLVI Congresso da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural, 2008, Rio Branco.


MATOS, Gabriel dos Santos Rocha de. The Atlas of Economic Complexity: uma visão sob as óticas dos modelos de Ricardo, Heckscher-Ohlin e Equações Gravitacionais. 2017.


TONHÁ, Henrique Mesquita; CUNHA, Cleyzer Adrian da; WANDER, Alcido Elenor. Vantagem Comparativa Revelada da carne bovina brasileira. 2010.



TRUCHARTE, Gustavo. Vantagem Comparativa: a ideia de 200 anos a favor do livre comércio e da especialização. Liga FEA-USP. Disponível em: <https://www.ligafeausp.com/single-post/2018/04/03/vantagem-comparativa-a-ideia-de-200-anos-a-favor-do-livre-com%C3%A9rcio-e-da-especializa%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 3 Mar. 2022.


‌Porter, M. E. Estratégia Competitiva: Técnicas para análise de indústrias e da concorrência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, 400 p.


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