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Política Externa brasileira e os desafios da integração regional sul-americana

Por Gabriela Elesbão e Lara Martins



A política externa brasileira é historicamente marcada por sua diplomacia de neutralidade, visto que o Brasil procura se colocar como um espaço para mediação e resolução de conflitos na comunidade internacional. Especialmente na América do Sul, o Brasil é um elemento de extrema relevância tanto pelas suas proporções geográficas, quanto por sua riqueza em recursos. Além disso, desde a década de 2000, com as sucessivas eleições de líderes identificados com projetos de esquerda, o país procura liderar a condução de projetos de integração da região sul-americana, mesclando elementos como a soberania, a autodeterminação e o alinhamento entre governos com ideários progressistas.

No entanto, a partir da eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, e a consequente nomeação de Ernesto Araújo como Ministro das Relações Exteriores, essa postura de mediação foi substituída por uma postura de alinhamento automático aos Estados Unidos (na época, sob a administração de Donald Trump). Isso porque o projeto político de Araújo era baseado em um ideário judaico-cristão, caracterizado pela tentativa de resgatar uma suposta nação tipicamente ocidental, com valores cristãos de família, civilização e dedicação à pátria. Esse projeto encontra bastante identificação com os princípios de Destino Manifesto dos Estados Unidos, bastante utilizados por Donald Trump, com seu lema “Make America Great Again”.

Desde 2018, os exemplos de afastamento do Brasil em relação aos demais países sul-americanos são muitos: a saída do país da Lista de Países com Tratamento Especial e Diferenciado da OMC a pedido dos EUA; a permissão da entrada de estadunidenses sem visto em território brasileiro;o voto negativo pelo fim do embargo estadunidense à Cuba (2019); o reconhecimento de Jeanine Añez como governante legítima da Bolívia em 2019 (após o golpe de Estado que depôs Evo Morales); as declarações de que a Argentina se tornaria uma Venezuela sob o governo de Alberto Fernandez, dentre outros. Além disso, Bolsonaro deixou claro seu apoio a Donald Trump durante o período eleitoral dos Estados Unidos em 2020.

Diante dessa ruptura, é importante ressaltar que processos históricos que levaram à formação dos Estados-nação da América do Sul, tais como a colonização e as lógicas de hierarquias entre Norte e Sul global, acabaram por gerar certas características na identidade desses países. A noção de que é preciso estabelecer independência econômica diante dos países do Norte global é bastante presente na condução dos projetos de política externa desses países, por isso, a soberania é um elemento importante em seus projetos políticos e uma demanda muitas vezes exigida por suas populações. Portanto, os desafios atuais da integração sul-americana são muitos, e perpassam áreas político-governamentais, ideológicas e econômicas.

O declínio do regionalismo pós-liberal (2012-2015) foi marcado por um contexto regional econômico frágil devido à crise de 2008, com repercussão tardia nos países e crises nacionais de gestão. Soma-se a isso o aumento da insegurança alimentar, da desigualdade social, da pobreza, do desemprego e da inflação nos países da região. No contexto regional institucional, ressalta-se o surgimento da “Aliança do Pacífico” e o fim do papel do Brasil como definidor da agenda setting, além da desconstrução da comunidade epistêmica pró-integração e seu apoio ao projeto da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).

O desmonte do regionalismo sul-americano (2016-2019) aconteceu por conta da eleição de governos de centro-direita na região, com forte cunho neoliberal, em geral conservadores, e outros autoritários, quebrando o consenso existente em torno dos valores da UNASUL. O esfacelamento da Unasul foi resultado desse processo, em curso desde 2012, resultando em uma instituição frágil, que acabou por se tornar ainda mais refém do próprio fim, quando surgiram articulações ad hoc para resolver temas específicos na região, como o Grupo de Lima, por exemplo, criado para solucionar a questão venezuelana e, consequentemente, tirando da Unasul seu protagonismo e necessidade de atuação.

A partir de 2016, então, houve um consenso de que a Unasul era uma organização de cunho ideológico forte e que havia a necessidade, naquele momento, de uma instituição que não respondesse a uma ideologia, mas sim, às necessidades “pragmáticas” da região. A partir daí, surgiu o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL), como alternativa a seu antecedente. Diferentemente da Unasul, o Prosul possui uma institucionalidade muito baixa, ou seja, não pode ser considerado uma organização internacional formal. É uma iniciativa marcada pela falta de recursos institucionais e também recursos políticos, fazendo com que esta não tenha um papel relevante na região e na comunidade internacional.

No entanto, é importante ressaltar que a Unasul foi um bloco inclusivo, onde todos os países da região, independentemente de governo, participaram. A Colômbia, por exemplo, caracterizada por seus governos de direita ou centro-direita, participou da Unasul e tomou uma séries de decisões conjuntas. O Prosul é uma regressão naquilo que se construiu e vinha sendo construído com o Mercosul e com a Unasul. Se for possível comparar processos de integração regional e os seus frutos, em que pese as dificuldades a serem empreendidas, muitos dos frutos da União Europeia, que começou com a Comunidade Europeia nos anos 1950, só ocorreram nos anos 80 e 90. É muito simplista dizer que a Unasul, um bloco ampliado, um bloco de integração de setores não apenas econômicos, não deu certo, uma vez que são apenas 10 anos (?) de funcionamento, ou seja, quase nada para um bloco de integração.

Resta fazer a seguinte pergunta: A linha desse novo ciclo é ir na onda das tendências de liberalização econômica ditada pelas grandes potências?

É certo que o contexto regional hoje é bem diferente do contexto do início dos anos 2000, sobretudo a respeito da regionalização, visto que a governança regional vem sendo desmontada. A UNASUL, assim como a Comunidade Sul-Americana de Nações, teve um papel muito importante nesse processo de regionalização que, conceitualmente, é um movimento espontâneo, mas aqui na América do Sul, contou e conta com incentivos por parte dos governos para que essa regionalização seja consolidada. O que aconteceu foi que os ganhos da UNASUL não foram suficientes para mantê-la viva e ativa em momentos de falta de sintonia política.

Atualmente, a questão democrática é um ponto que exige reflexão, dada a ausência de proximidade político-ideológica favorável ao avanço do regionalismo. Certamente existe uma certa confluência entre consenso ideológico e avanço no regionalismo, no entanto, a semelhança político-ideológica não é necessária em termos absolutos, ainda que a diferença existente hoje em dia seja muito radical. Em comparação com a União Europeia, entre a Democracia Cristã e a Social Democracia não chega a ter diferenças tão grandes no que diz respeito aos valores da UE. E, atualmente, entre esses governos mais conservadores, até mesmo autoritários, por um lado, e governos de esquerda, por outros, Bolsonaro e Maduro, respectivamente, não existe nenhum tipo de confluência, não existe um ponto onde os dois possam se encontrar. Não tem dominador sobre o que é democracia, Estado-direito, política industrial, relevância do processo de integração. Não existe um ponto de interseção.

Outro desafio seria a relação Brasil-Argentina. A parceria entre esses dois países estruturou uma aliança binacional que contribuiu para a estabilidade da região e, portanto, em um cenário mais estável. A relação atual dos dois governos vizinhos é marcada por desencontros e constrangimentos. Certamente não há alinhamento político-econômico entre o governo de Jair Bolsonaro e o de Alberto Fernandez.

E, por último, o governo brasileiro talvez seja um dos grandes obstáculos atuais, tanto para o regionalismo sul-americano como para a política externa brasileira. Desde 2018, com Ernesto Araújo à frente da chancelaria, o Brasil assumiu uma posição de alinhamento automático com os EUA, sem uma agenda definida para a região, com uma percepção pautada totalmente para o Ocidente-Norte. O Brasil assumiu um papel muito inconveniente com os seus pares regionais.


Bibliografia

SANAHUJA, José Antônio. 2010. La construcción de uma région: Sudamérica y El regionalismo posliberal. In CIENFUEGOS, M. e SANAHUJA, J. A. (eds.), Uma región em construcción: UNASUR y La integración em América del Sur.Barcelona: Fundació CIDOB.

FERREIRA, Guilherme. O regionalismo pós-liberal e o resgate da agenda de desenvolvimento. III Semana de Ciência Política. PPGRI San Tiago Dantas. 2015.

JAEGER, Bruna (2019): “Crise e colapso da UNASUL: o desmantelamento da integração sul-americana em tempos de ofensiva conservadora” em Revista Conjuntura Austral, v.10, n.4, p.5–12. Link

GRANJA, Lorena e MESQUITA, Bárbara (2020): “Da Unasul ao Prosul: (contra) dinâmicas na integração regional e suas consequências acumulativas, Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, v.9, nº 18.


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