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Parceria Sino-Russa e a Luta pela Multipolaridade Sistêmica no século XXI

Texto de Danilo Horta (danilosilvahorta@gmail.com)

Revisão: Stevan Bernardino



China e Rússia, ao longo do século XX e do século XXI, tiveram suas relações influenciadas por um terceiro país: os Estados Unidos. Os Estados Unidos são um país importante para se compreender a relação bilateral sino-russa, porque as ações estadunidenses não só foram determinantes para o distanciamento entre essas duas potências na segunda metade do século XX, mas também são decisivas para compreender a formação e o desenvolvimento da atual relação entre China e Rússia no século XXI. De maneira geral, na década de 1970, em pleno contexto da Guerra Fria, observa-se a aproximação entre Estados Unidos e China por meio da diplomacia do Pingue-Pongue, fato que significou um profundo afastamento entre a União Soviética e a China. A relação entre China e Estados Unidos intensificou-se durante as décadas vindouras, mantendo-se positiva até o início da década de 1990, embora tenha perdido força com a dissolução da União Soviética (KISSINGER, 2011).


Com o fim da União Soviética em 1991, os Estados Unidos ascenderam como potência hegemônica no mundo, visto que não havia nenhuma outra potência capaz de opor-se aos Estados Unidos, tanto em termos de hard power quanto de soft power. A ascensão dos Estado Unidos como potência hegemônica causou uma transformação no sistema internacional, que saiu da bipolaridade, característica da Guerra Fria, à unipolaridade, aspecto do início dos anos 1990. (WALTZ, 2000). Além disso, a supremacia dos Estados Unidos na política internacional possibilitou que o comportamento dos Estados e os fenômenos internacionais se modificassem drasticamente, visto que a assimetria de poder existente entre o hegemon e os demais atores condicionou novos comportamentos. Essa mudança pode ser explicada por meio dos argumentos de Aron e Waltz, em que o desequilíbrio de poder não é a regra, mas a exceção. (ARON, 1979; WALTZ, 2000).


Neste sentido, entende-se que os Estados Unidos passaram a agir para manter sua hegemonia no sistema internacional, de modo a buscar controle sobre recursos estratégicos (em especial petróleo e gás natural) e a impedir ou a inibir o desenvolvimento de potências regionais, como é o caso da China e da Rússia (MAZAT; SERRANO, 2012). Com base em Waltz (2000) e Aron (1979), em condições de desequilíbrio de poder, os Estados ameaçados deveriam buscar elevar suas capacidades materiais ou formar alianças, a fim de diminuir assimetrias no sistema internacional e de criar capacidades de contestar e de resistir às imposições da potência que os ameaça; ocorre, entretanto, que, na década de 1990, a Federação Russa, comandada por Yeltsin, apresentou posicionamento contrário ao descrito pelos teóricos realistas.


De modo geral, Yeltsin adotou uma política pró-ocidental e liberalizante que, em última instância, auxiliou os interesses geopolíticos estadunidenses, pois tais políticas implicaram, em certa medida, a desindustrialização e a desmilitarização da Rússia. O Produto Interno Bruto da Federação Russa, por exemplo, caiu cerca de 45% de 1992 a 1998, durante os mandatos de Yeltsin. Enquanto a Rússia adotava uma política pró-ocidental e liberalizante, a China afastava-se dos Estados Unidos e buscava o multilateralismo e a integração regional como forma de expandir sua influência e, acima de tudo, de assegurar a continuidade do seu processo de desenvolvimento (CINTRA; PINTO, 2017; MANZI; VIOLA, 2020). Na década de 1990, portanto, o relacionamento sino-russo não avançou, na medida em que a política externa chinesa e russa tomavam rumos diferentes, apesar de que o comércio de armas entre ambas potências se manteve elevado (ADAM, 2012).


A desastrosa condução política de Boris Yeltsin levou Putin, que era crítico de seu antecessor e era influenciado pela ideologia nacional-desenvolvimentista, à presidência da Federação Russa nos anos 2000. Além disso, a memória dos insucessos das políticas pró-ocidentais e liberalizantes seria fundamental para legitimar a condução econômica e política da Federação sob o comando de Putin-Medvedev nas duas décadas posteriores (SCHUTTE; DEBONE, 2020). Logo após assumir a presidência em 2000, Putin, respaldado nas elites políticas e econômicas da Federação Russa, assina e ratifica documento denominado “The foreign policy concept of Russian Federation” (RÚSSIA, 2000). Esse documento expressa o objetivo de tornar a Federação Russa em uma potência econômica no sistema internacional multipolar, de maneira a resistir contra a unipolaridade estadunidense e a transformar a Rússia em um polo de poder no sistema internacional.


Para antingir esse objetivo, Putin adotou uma série de medidas econômicas de cunho nacionalista na economia: instaurou o protecionismo econômico em diversos setores; estimulou a economia com investimentos e incentivou o desenvolvimento de P&D; e elaborou um processo de substituições de importações, visando incentivar a reindustrialização do país (MAZAT; SERRANO, 2012; GALOVA, 2021). Além de adotar medidas protecionistas e de cunho nacionalista na economia, Putin também estabeleceu, em certa medida, uma política de confrontação aos interesses e às demandas ocidentais - sobretudo os interesses e as demandas estadunienses. Por fim, procurou criar laços e intensificar a cooperação com Estados asiáticos e do Sul Global, o que resultou em maior cooperação com a China, país que é, ao mesmo tempo, seu objeto de desejo e uma de suas maiores preocupações (MAZAT; SERRANO, 2012; ADAM 2012).

A partir de 2001, Putin passou a tomar uma série de medidas, a fim de aumentar a cooperação com a China, solucionando problemas relacionados a territórios e a fronteiras; buscou intensificar as relações econômicas entre os dois Estados; e procurou aprovar acordos e tratados em que os dois países tivessem diretrizes comuns. Ambos os Estados beneficiaram-se dessa cooperação, já que os interesses econômicos e políticos eram similares (SCHUTTE, DEBONE, 2020; MAZAT; SERRANO, 2012).

A principal congruência dos interesses da China e da Rússia ocorre na confrontação ao sistema internacional unipolar dominado pelos Estados Unidos. Ambos os países buscam elevar suas capacidades nacionais, com o objetivo de diminuir as assimetrias de poder presente no sistema internacional contemporâneo. Observa-se que a formação da aliança sino-russa é mais um passo na formação de uma rede de atores capazes de contrapor-se aos interesses estadunidenses, seguindo a lógica descrita por Waltz (2000) e Aron (1979). Desse modo, é plausível esperar a intensificação dessa parceria, porque, desde 2014, após a invasão da Criméia pela Rússia, nota-se a intensificação da cooperação com a China, de modo a torná-la uma das principais parceiras comerciais, políticas e diplomáticas da Rússia.













Referências:


ARON, R. (1962). Paz e Guerra entre as Nações. Editora da Universidade de Brasília, Brasília, 1979, 708p.

ADAM, G.P. (2012); A Rússia como grande potência e a parceria estratégica com a China. In: ALVES, A.G. (ORG). O renascimento de uma potência?: a Rússia no século XXI. Brasília: Ipea, 2012.

CINTRA, M..; PINTO, E. C.. China em transformação: transição e estratégias de desenvolvimento. Rev. Econ. Política., São Paulo, v. 37, n. 2, p. 381-400, Junho 2017 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572017000200381&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 de fev. de 2022.

GOLOVA, Irina. Import Substitution Priorities for Ensuring the Economic Security of Russian regions. Shs Web Of Conferences, v. 110, p. 1-7, 11 jun. 2021. Disponível em: <https://www.shs-conferences.org/articles/shsconf/abs/2021/21/shsconf_icemt2021_01012/shsconf_icemt2021_01012.html>. Acesso em: 2 de mar. 2021.

KISSINGER, H. Sobre a China. 1ª ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

MANZI, R. H. D., & VIOLA, E. (2020). A desaceleração da economia da China e a transição para um “novo normal” no século 21. Carta Internacional, 15(2). <https://doi.org/10.21530/ci.v15n2.2020.1018>. Acesso em: 27 de fev. de 2022.

MAZAT N.; SERRANO, F. (2012); A geopolítica da Federação Russa em relação aos Estados Unidos e à Europa: Vulnerabilidade, cooperação e conflito. In: ALVES, A.G. (ORG). O renascimento de uma potência?: a Rússia no século XXI. Brasília: Ipea, 2012.

RÚSSIA. (2000). The foreing policy concept of the Russian Federation. Disponível em: <https://nuke.fas.org/guide/russia/doctrine/econcept.htm>. Acesso em: 23 de fev. de 2022.

SCHUTTE, G.; DEBONE , V. (2020). Parceria China e Rússia: bases reais para superar a desconfiança histórica. Carta Internacional, 15(2). Disponível em:<https://www.cartainternacional.abri.org.br/Carta/article/view/991>. Acesso em: 03 de mar. 2022.

WALTZ, K. (2000). Structural Realism after the Cold War. In: International Security vol. 25. No. 1, p. 5-41. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/2626772>. Acesso em: 28 de fev.. de 2022.

WORD BANK (org.) Russian Federation. 2021. Disponível em: <https://data.worldbank.org/country/russian-federation>. Acesso em: 3 de mar. de 2022.

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