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Populações indígenas e as Relações Internacionais

Atualizado: 5 de fev. de 2021



A trajetória dos povos indígenas nas relações internacionais ainda é um campo de estudos pouco explorado. Assuntos relacionados à soberania indígena, consequências da colonização e seus reflexos no direito internacional, além dos conflitos existentes entre o modelo de Estado baseado numa identidade nacional e o modo de organização cultural indígena encontram-se, por vezes, marginalizados diante de outros temas da área.

A Convenção 169 de 1989 da Organização Internacional do Trabalho estabelece a responsabilidade os diferentes governos de assegurar dos direitos dos povos indígenas, seu acesso em condições adequadas e conforme sua escolha aos serviços de saúde, empregos formais, educação em seu idioma e, principalmente, o direito dessas populações de controlarem seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural de acordo com suas próprias instituições e práticas, incluindo a preservação dos recursos naturais em seus territórios. Além disso, fica estabelecido que os Estados devem reconhecer os direitos de propriedade desses povos sobre as terras que ocupam tradicionalmente e nos casos onde os territórios não ocupados representam importante papel para sua subsistência ou espiritualidade. Dessa forma, qualquer prática de exploração de recursos realizada pelo Estado em território indígena e que possa oferecer alterações em seu ambiente e modo de vida deve ser previamente submetida à consulta “prévia, livre e informada” dessas populações, priorizando seus interesses ou garantindo que os indígenas sejam também beneficiados com essas atividades, sempre evitando o deslocamento desses povos de suas terras originais.

A Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (DDPI) sancionada na ONU em 2007 adquire um tom de reparação histórica em relação a essas populações ao reconhecer “injustiças históricas como resultado da colonização, alienação de suas terras, territórios e recursos impedindo-os de exercerem seus direitos ao desenvolvimento em conformidade com suas próprias necessidades e interesses”. Assim, as Nações Unidas reconhecem o direito de livre determinação indígena, bem como sua autonomia para conservar suas instituições sem que sejam excluídos da vida política, econômica e cultural do Estado e ainda seus direitos coletivos e liberdade para manutenção de sua cultura e território. A Declaração também dispõe sobre o direito indígena à preservação e conservação de suas terras, com auxílio de programas estatais para esse fim.

Na Convenção 169 e na DDPI, os povos indígenas são definidos como populações de origem pré-colombiana, cuja formação social e cultural distingue-se da organização do Estado Nacional. Além disso, fatores como continuidade histórica e existência baseada na ligação a um território também fazem parte da identidade indígena ou tribal. No entanto, sabendo que identidade étnica e pertencimento são processos de construção social, os Estados devem considerar “a consciência da identidade indígena ou tribal” desses povos e, assim, garantir seus direitos, uma vez que suas terras foram colonizadas e seus diferentes modos de vida sofreram e sofrem diversas intervenções.

As identidades nacionais, ou seja, a língua, os valores históricos e culturais, a moeda de um país e suas conquistas dirigidas a partir do Estado, foram um modelo desenvolvido a partir da colonização de espaços mundiais como África, Ásia e América pelos países europeus, sendo portanto, profundamente enraizadas em práticas como o genocídio e a assimilação cultural sobre os povos indígenas, processo esse originado na Idade Moderna. Desse modo, a organização indígena e seu compromisso na relação com a Terra e a Natureza é um desafio ao modelo de Estado dominante, porque demonstra sua soberania diante de seus territórios e recursos naturais, revela a base colonial dos Estados e oferece uma forma “compartilhar o poder e pensar além das fronteiras do estado e do Sistema de Estado global prevalecente” (PICQ, 2015). Todavia, a luta dos povos indígenas por garantia de direitos e acesso pleno aos serviços do Estado não significa, necessariamente, inclusão dentro dos padrões de Estado nacional, mas sim, a afirmação da sua identidade autodeterminada e a busca pela pluralidade de compreensão das relações entre povos, seus governos e o planeta.


Referências:

CORNTASSEL; WOONS. Indigenous perspectives on international relations theory: https://www.e-ir.info/2018/01/23/indigenous-perspectives-on-international-relations-theory/

LOSURDO; RIBEIRO. A autodeterminação e o direito dos povos indígenas à consulta prévia no ordenamento brasileiro e internacional: análise do caso da Hidrelétrica de Belo Monte. 2017.

Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais

Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas


Escrito por Gabriela Elesbão (gabrielaoliveiraelesbao@gmail.com)


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