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ONDA PROGRESSISTA: Uruguai


Famoso por ser considerado uma espécie de “Suíça latino-americana”, o Uruguai entrou no século XXI com o agravamento de uma forte crise econômica que, por sua vez, não gerou uma instabilidade política nacional como havia ocorrido na Argentina e na Bolívia. A ausência de repercussão do descontentamento popular com a inflação e o desemprego em manifestações e revoltas urbanas está diretamente ligada à cultura uruguaia de confiar no papel e na legitimidade do Estado e suas instituições. Sendo o primeiro país da América do Sul a descriminalizar o voto feminino e a universalizar a saúde e a educação públicas, o Uruguai tornou-se uma referência para o progressismo latino-americano, cujo ponto inicial se deu em 2005 com a vitória eleitoral do candidato da coalizão de esquerda Frente Amplio (FA), Tabaré Vázquez.

Assumindo a presidência no contexto de uma recuperação econômica gerada pela alta do preço das commodities, o Frente Amplio expandiu os mecanismos de assistência social e de transferência de renda do Estado uruguaio. Programas de transferência de renda, reformas do sistema de saúde e tributário, e políticas de incentivo ao emprego alavancaram a aprovação do governo de Tabaré Vázquez. Trocando o presidente e mantendo o partido na direção do Estado, em 2010 a direção do Uruguai chegava às mãos de José Mujica, ex-guerrilheiro que foi perseguido e preso durante a ditadura militar que assolou o país entre 1973-1985, e figura política mundialmente conhecida por manter um estilo de vida simples apesar dos privilégios que possui. Em seu mandato, além da continuidade com as medidas de Vázquez, Mujica deu especial atenção para a agenda de direitos: a descriminalização do aborto, a garantia do direito ao casamento gay e a legalização da maconha.

Representando a grande meta do progressismo latino-americano, os governos do Frente Amplio também foram constituídos pelas contradições e obstáculos estruturais de um país da periferia do capitalismo. O crescimento econômico e a distribuição de renda foram sustentados pelos mesmos setores que alimentaram a economia uruguaia no fim do século XX, isto é, o investimento estrangeiro direto — pautado principalmente na criação de uma série de zonas francas no país — e a exportação de commodities como carne, soja e celulose. Além disso, a redução do desemprego foi acompanhada da flexibilização das leis de proteção dos trabalhadores e de um aumento de duas vezes da violência urbana, o que revela os vínculos entre a inclusão social pelo consumo e a repressão policial daqueles que não foram absorvidos pela cidadania salarial. Essa que, por sua vez, passou a derreter com maior velocidade devido à desaceleração da economia na transição do governo de Mujica para o retorno de Vázquez à presidência.

Tentando conter o aumento do desemprego, da inflação e da fuga de capitais estrangeiros, Vázquez tomou uma ação que expôs a natureza dos governos da Frente Amplio: a concessão de uma parte do território no centro do país à empresa finlandesa UPM para a construção da terceira fábrica de celulose e vigésima zona franca do país. Apesar de o investimento ter trazido ganhos financeiros e eleitorais no primeiro momento, ele foi incapaz tanto de segurar a popularidade do governo quanto de conter a derrocada do Estado de bem-estar uruguaio; assim perdendo as eleições presidenciais de 2019 para o candidato do Partido Nacional: Luis Lacalle Pou. Não podendo colocar a culpa em nenhum fator externo para a derrota — diferente do que ocorreu nos casos de outros governos progressistas da região —, o Frente Amplio entregou o Estado à oposição sem contestar os resultados da eleição e sem questionar as razões de suas derrotas. Ou seja, a estratégia de promover a cidadania salarial sem contestar as estruturas políticas e econômicas que submetem um país latino-americano aos interesses de grandes empresas multinacionais, bem como a continuidade das exportações de commodities sustentadas pelo projeto extrativista, em nenhum momento foi criticada; assim reforçando o papel do progressismo uruguaio na desqualificação do debate regional sobre as possibilidades de uma experiência social-democrata na América Latina.


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