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O planeta Terra respira por aparelhos

Por Anelise Malta e Júlia Panissi


A terra, segundo a biologia, é um conjunto de ecossistemas que, por definição, são várias comunidades de organismos que interagem entre si e com o meio em que vivem, ou seja, os humanos, animais, florestas e oceanos, são afetados pelo clima de diferentes formas, embora o agente seja o mesmo. Entretanto, o clima é um fator resultante do comportamento desses organismos, e em razão do constante negligenciamento de toda a humanidade para com o planeta durante décadas a fio, o meio ambiente começou a responder sob a forte ação das mudanças climáticas por meio de eventos extremos que foram sentidos por todos os países ao redor do mundo, como foi possível acompanhar, por exemplo, nas notícias sobre inundações históricas, como no caso da China, Alemanha, Bélgica e Holanda, nas ondas de calor, no Canadá, e com o aparecimento de um frio incomum no Brasil.

Acontecimentos mundiais como estes não se restringem apenas ao campo biológico e físico-geográfico, uma vez que interferem na dinâmica interna dos países e na relação entre eles, no dito Sistema Internacional. De acordo com Eduardo Viola (2002), na época em que as mudanças climáticas não eram alarmantes como nos dias de hoje, porém, seu caráter de perigo em potencial já era reconhecido, o meio ambiente foi tido com um bem coletivo global e, por essa razão, foi necessário o estabelecimento de uma série de regras de conduta a serem seguidas. Além disso, também se fez necessária a propagação de uma consciência pública em prol da preservação do clima e o investimento em tecnologias que favorecessem a baixa ou nenhuma emissão de gases de efeito estufa. Essas medidas compõem os chamados Regimes Ambientais Internacionais, que são acordados por meio de Tratados e Convenções como o Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (1992) e o Protocolo de Kyoto (1997).

A ciência é o meio pelo qual se obtém respostas em relação às questões ambientais e como atuar para solucioná-las. Sendo assim, foi preciso criar um veículo de divulgação internacional para todo relatório publicado pela comunidade científica a respeito das avaliações dos efeitos da mudança climática, chamado Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC). Recentemente, Valérie Masson-Delmotte, cientista climática e copresidente do Painel, apresentou, na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26), na data de 31 de outubro de 2021, o último relatório que evidencia: aumento da temperatura terrestre de 1,5°C a 2ºC por ano; progressivos eventos naturais extremos; aumento das chuvas e maior concentração de sal nos oceanos, o que causaria a perda de oxigênio das águas e extinção de espécies. Em relação aos gases mais poluentes, foi publicado que o gás carbônico (CO2), resultante da queima de combustíveis fósseis usados por automóveis e indústrias, está em primeiro lugar, ou seja, é considerado o gás mais poluente, seguido pelo metano, que é emitido, principalmente, a partir dos gases que os bovinos da agropecuária geram.

No Sistema Internacional é comum que haja membros que se destaquem devido à sua atuação diante do Regime do Meio Ambiente, produzindo uma espécie de governança internacional, baseada no grau de influência e poder. Boa parte desses países que se destacam são grandes emissores de CO2, logo, são detentores de um setor industrial bem desenvolvido, elevado poder econômico, alto grau de inovações de tecnologias sustentáveis e grande poder de persuasão sobre os demais membros. Este último ponto, particularmente, é muito interessante, pois revela um caráter multilateralista no combate às mudanças do clima, ou seja, é compreendido que para conseguir êxito neste objetivo, é preciso que todos os países ajam em conjunto e no mesmo sentido.

Entretanto, sem penalidades, caso haja o descumprimento às regras e normas do Regime, poucos países estão dispostos a assumir o esforço de mitigação climática, além de possuírem como prioridade os interesses nacionais, principalmente econômicos, e a manutenção do status quo. Nesse sentido, nota-se que a pouca eficácia dos acordos do Regime do Meio Ambiente se deve a uma governança ambiental (a gestão das questões climáticas) dominada por forças conservadoras e soberanistas de países que não estão de acordo com certas concessões – pois a adesão a tratados modificaria suas políticas internas – diante da cooperação climática.

Contribuindo também para a falta de coalizão, identifica-se que os países em desenvolvimento, apesar de serem os que mais sofrem com as mudanças climáticas devido a falta de capital e infraestrutura, são os que menos possuem voz e governança climática. Além de não possuírem capacidade econômica e dependerem de países ricos e seus empréstimos para que possam contribuir com o Regime, caso seja de interesse deles integrar o Regime do Meio Ambiente, eles necessitam responder a normas, regras e tratados constituídos, majoritariamente, pelos países desenvolvidos, os quais possuem interesses distintos.

Enquanto estes objetivam manter o crescimento econômico aliado à mitigação das mudanças climáticas, os países considerados pobres buscam pela justiça ambiental, ou seja, visam a redução das assimetrias sociais e econômicas no contexto ambiental. Sendo assim, estes interesses divergentes ficam ainda mais discrepantes quando percebe-se que as pautas ambientais e climáticas estão sempre atreladas à economia, que, muitas vezes, é priorizada em detrimento da natureza pois, os países desenvolvidos temem terem suas economias afetadas, enquanto o temor dos países em desenvolvimento, é de que a sua posição de subdesenvolvimento se agrave ainda mais. Outro fator a ser considerado é que a mitigação das mudanças climáticas exige que os países presentes invistam em medidas cujos benefícios serão vistos, em sua maioria a longo prazo e só serão usufruídos pelas gerações futuras, o que gera uma onda de desincentivos à ação no presente e à contribuição ao Regime.

Quando povos têm seu território devastado pelo aumento dos níveis do mar; cidades são destruídas com o rompimento de barragens e florestas são exploradas pela mineração, o discurso do “desenvolvimentismo” surge para justificar esses desastres, que são vistos como “acidentes do progresso”, mas que são compensados pela ideia de melhoria da qualidade de vida da sociedade. No entanto, as vítimas do “desenvolvimento” desenfreado são, principalmente, sociedades subdesenvolvidas que possuem maior dependência da natureza devido a sua matriz econômica oriunda de matéria prima natural, e que têm capacidade e infraestrutura inferiores para lidar com as questões climáticas e, consequentemente, menor participação na governança, revelando-se os menos beneficiados dessa evolução cega dos meios de produção.

Nos discursos atuais de desenvolvimento sustentável, a “natureza” acaba por ser reinventada como “meio ambiente” para que o capital, e não a natureza, possa ser sustentado. Esse discurso acaba por propor uma reconciliação entre o crescimento econômico e a preservação do meio ambiente, porém, sem ajustes significativos no sistema de produção e consumo global. Sendo assim, é evidente que o padrão capitalista de superprodução vigente é um dos principais inimigos da natureza, e seus impactos ambientais podem, num futuro muito próximo, serem irreversíveis. O IPCC recomenda medidas concretas e rápidas, porém, para que isso ocorra, é necessário que todos os países se proponham a comprometer-se verdadeiramente e que a dita consciência pública do início dos projetos de combate às mudanças climática de fato aconteça e seja disseminada, uma vez que agir contra a sustentabilidade tem se provado extremamente prejudicial tanto ao planeta e à humanidade quanto à ordem econômica mundial.


BIBLIOGRAFIA


VIOLA, Eduardo. O Regime Internacional de Mudança Climática e o Brasil, vol. 17 n° 50, RBCS. Outubro, 2002.


VIOLA, Eduardo, FRANCHINI, Matías, RIBEIRO, Thaís. A Governança climática em um sistema internacional sob a hegemonia conservadora: o papel das grandes potências. Rev. Bras. Polít. Int. 55 (special edition), p. 9-29, 2012.


VIOLA E. FRANCHINI. M. Sistema Internacional de Hegemonia Conservadora: O Fracasso da Rio +20 na Governança dos Limites Planetários. Ambiente e Sociedade. 2012.


DEPLEDGE, Joanna. The Organization of Global Negotiations: Constructing the Climate Change. Londres: Earthscan, 2005.


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