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Nunca é só um jogo: a relação entre política e futebol

Texto escrito por Mainara Gomes e Marcos Sordi


As Relações Internacionais estão em todo lugar, isso é fato. Porém, o mais interessante é que hoje unimos duas esferas que são estritamente correlatas: o futebol - como uma pequena parte do esporte - e a política. Por mais que muitas pessoas não vejam dessa forma, o futebol tem uma dimensão política e, em muitos casos, pode e é usado como uma ferramenta política.

A institucionalização do esporte ocorreu em 1863 após a criação da Football Association (FA), instituição responsável por formular as primeiras regras da modalidade. Com o surgimento da instituição, os campeonatos e partidas foram iniciados e, como consequência, suas regras se tornaram universais, dada a expansão mundial do esporte. A partir da década de 1870, o futebol passou a ser um esporte praticado pela classe trabalhadora inglesa e, desde então, deixou de ser um privilégio da burguesia. Dessa forma, ao mesmo tempo em que era expandido para outros locais era, também, um espaço em que conviviam burguesia e operários (BRASIL ESCOLA, s/d). Desde o seu surgimento, na Inglaterra, o futebol, considerado um esporte de elite, encarou inúmeras dificuldades para integrar distintas classes sociais, visto que as camadas mais pobres tiveram que lutar para conseguir ingressar neste esporte (BRASIL ESCOLA, s/d).

Embora tenha sofrido muitas transformações ao longo dos anos, o futebol ainda é um esporte conservador que (re)produz preconceitos e ideologias dominantes. Primeiro, porque ele reforça a identidade nacional - o que fica mais nítido durante a Copa do Mundo, por exemplo. Além disso, reforça e (re)produz os “valores” dominantes tais como o capitalismo competitivo (VIANA, 2010).

O futebol também reproduz ideais conservadores, machistas, sexistas, racistas e lgbtfóbicos. Nesse sentido, há estreita relação entre futebol e política. São inúmeros os casos, desde o fim do século XIX, com a massiva população do futebol na Inglaterra, e o começo das atividades, até o presente momento. Em 2018, por exemplo, durante a Copa do Mundo da Rússia, a comemoração de Xhaka e Shaqiri, dois jogadores suíços, foi atravessada por questões políticas. Naquele momento, a seleção suíça enfrentava, pela segunda rodada da fase inicial da competição, a seleção da Sérvia. O resultado final foi uma vitória de “virada” da Suíça por 2 a 1.

Xhaka e Shaqiri, respectivamente após marcarem seus gols, fizeram um sinal com as mãos representando a águia negra de duas cabeças, símbolo da bandeira da Albânia, país de origem da maioria do povo de Kosovo - ex província da antiga Iugoslávia -, cujos jogadores citados têm heranças hereditárias fortes. Xhaka é filho de pais kosovares e Shaqiri é nascido na região do Kosovo e naturalizado suíço. As famílias de ambos os jogadores migraram para a Suíça na década de 90, após o fim da ex-Iugoslávia e a intensificação de conflitos separatistas. Shaquiri, por exemplo, estava com a bandeira da Suíça e de Kosovo registradas em sua chuteira.

É importante salientar que o Kosovo declarou independência unilateralmente da Sérvia, em 2008. Os sérvios, em contraste, não aceitam a declaração kosovar, o que causa uma tensão atualmente. Dessa forma, o Kosovo é um território em disputa pois, de um lado, um grupo declara sua independência e, de outro, a Sérvia não aceita a declaração e reivindica o território. A maioria dos cidadãos de Kosovo são descendentes e possuem origem albanesa, como no caso dos jogadores suíços. Ambos os países possuem, dessa forma, semelhanças culturais e relações diplomáticas. Ao fazerem o gesto da águia, eles estavam, na verdade, fazendo uma alusão à bandeira da Albânia.

Após as comemorações dos gols, o capitão da seleção sérvia, Kolarov, criticou os atos dos suíços, assim como o próprio técnico da Suiça, Vladimir Petkovic, que disse: “É claro que (na hora do gol) as emoções aparecem. Nós todos precisamos deixar a política de lado no futebol. Nós precisamos focar no futebol, que é uma coisa que une as pessoas. Como eu disse ontem, você nunca deve misturar política com futebol. É importante mostrar respeito”. (GLOBO ESPORTE). Após o ocorrido, o Comitê Disciplinar da FIFA (Federação Internacional de Futebol Associação), organizadora da Copa do Mundo, multou Shaqiri, Xhaka e Lichtsteiner — este por ter acompanhado seus companheiros — em 10 mil e 5 mil francos suíços respectivamente (R$ 38 mil e R$ 19 mil na cotação da época) por comemorarem de forma política. A FIFA proíbe atos políticos segundo o Artigo 2, Seção 5, Subseção 1, alegando que todo o universo futebolístico deve “permanecer neutro politicamente”.

É perceptível, portanto, que este não foi apenas um jogo. O conflito entre Suíça e Sérvia foi, também, um espaço onde se manifestaram disputas políticas. Os sérvios perceberam as comemorações como “provocações”, porém, esta foi uma manifestação política de um conflito existente até os dias atuais. Xhaka, por exemplo, afirmou que: “Sinceramente, para mim o rival não importava. O gol e a comemoração eram para meu povo, que sempre me apoiou, para minha pátria e para os meus pais”, explicou o autor do gol de empate (EL PAÍS)

Outro caso semelhante, também relacionado ao Kosovo, ocorreu em 2014. Em uma disputa entre Sérvia e Albânia para definir a classificação para a Eurocopa, o árbitro precisou interromper o jogo, aos 43 minutos de partida, devido a tensão entre os jogadores de ambos os times. Como já mencionado, as relações entre Kosovo e Albânia existem e muitos jogadores albaneses nasceram em Kosovo.

Igualmente à FIFA, a UEFA não permite a mistura entre política e futebol, tanto que, alguns dias antes do jogo, esta última resolveu proibir a presença de torcedores albaneses, alegando motivos de segurança. Entretanto, um drone, ao sobrevoar o campo, identificou a presença da bandeira albanesa e alguns jogadores sérvios a retiraram do campo. Este fato foi o suficiente para gerar uma revolta nos jogadores albaneses que se envolveram em uma briga generalizada após o ato. A Comissão Disciplinar da UEFA multou as duas seleções no valor de 105 mil dólares.

Como vimos, as disputas entre times e/ou seleções nunca é apenas um jogo. Há diversas situações envolvidas, que perpassam as competições e as tornam políticas: pode ser um ato racista, lgbtfóbico, machista - aí envolvendo ideologias dominantes e conservadoras - ou uma disputa territorial e política, como no caso dos exemplos mencionados. Assim, o futebol é um instrumento de política e é um espaço onde há manifestações políticas.


FONTES


Amazarray, Igor C (2011). Futebol: o esporte como ferramenta política, seu papel diplomático e o prestígio internacional. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Relações Internacionais), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

BRASIL ESCOLA (s/d). História do futebol. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/educacao-fisica/historia-do-futebol.htm>

EL PAÍS (2018). A comemoração “política” dos suíços que irritou a Sérvia. 23 de junho. Disponível em <https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/23/deportes/1529768574_136993.html>

EL PAÍS (2020). Futebol e política, uma mistura tão óbvia quanto a alienação de quem a despreza. 1 de junho. Disponível em <https://brasil.elpais.com/esportes/2020-06-01/futebol-e-politica-uma-mistura-tao-obvia-quanto-a-alienacao-de-quem-a-despreza.html>

ESPN (2018). Xhaka e Shaqiri são multados pela Fifa por comemoração polêmica, mas escapam de suspensão. Disponível em <https://www.espn.com.br/futebol/artigo/_/id/4461241/xhaka-e-shaqiri-sao-multados-pela-fifa-por-comemoracao-polemica-mas-escapam-de-suspensao>

FIFA (2012). FIFA Code of Ethics. Disponível em <http://cev.org.br/arquivo/biblioteca/4013164.pdf>.

GLOBO ESPORTE (2018a). Técnico da Suíça, sobre gesto polêmico: “Nunca deve misturar política com futebol”. 22 de junho. Disponível em <https://ge.globo.com/futebol/selecoes/suica/noticia/tecnico-da-suica-sobre-gesto-polemico-nao-devia-misturar-politica-com-futebol.ghtml>

GLOBO ESPORTE (2018b). Xhaka e Shaqiri homenageiam Kosovo e Albânia em comemorações dos gols suíços. 22 de junho. Disponível em <https://ge.globo.com/futebol/selecoes/suica/noticia/xhaka-e-shaqiri-fazem-comemoracao-em-referencia-a-sua-origem-kosovar.ghtml>

GLOBO ESPORTE (2018c). Kosovo? Shaqiri diz que "a vitória foi para a Suíça”. Kolarov critica a comemoração. 22 de junho. Disponível em <https://ge.globo.com/futebol/selecoes/suica/noticia/kosovo-shaqiri-diz-que-vitoria-foi-para-a-suica-kolarov-critica-comemoracao.ghtml>

UOL (2018). Fifa multa Shaqiri e Xhaka por comemorações políticas em gols da Suíça. 25 de junho. Disponível em <https://www.uol.com.br/esporte/futebol/copa-do-mundo/2018/noticias/2018/06/25/fifa-multa-shaqiri-e-xhaka-por-comemoracoes-politicas-em-gols-da-suica.htm>

Viana (2010). Notas sobre o significado político do futebol. Revista Espaço Acadêmico, n.11. ago. Disponível em <https://repositorio.bc.ufg.br/bitstream/ri/16694/5/Artigo%20-%20Nildo%20Silva%20Viana%20-%20%20%20%202010.pdf>


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