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Mas afinal, o que é geopolítica?

Atualizado: 13 de abr. de 2021



Frequentemente achamos termos específicos que encontramos na Universidade sendo usados de forma incorreta ou imprecisa, como conservadorismo, liberalismo, democracia e até desenvolvimento; Geopolítica também é um deles. Por conta da globalização crescente e das novas configurações da ordem mundial, o conceito chegou na imprensa e no debate público, a princípio, definindo as novas mudanças no mapa-mundi. No entanto, com o uso cada vez mais recorrente, ele se tornou moda e perdeu seu significado. Não dificilmente o termo é usado para se referir a qualquer discussão, debate ou tensão na arena política internacional, seja na área econômica, comercial, ambiental, cultural ou religiosa. Aliás, há meios que usam geopolítica até como título de aulas de ensino médio sobre atualidades e notícias do mundo em geral.

Sendo um campo de estudos interdisciplinar, é importante ressaltar que todas as áreas supracitadas podem estar relacionadas à geopolítica, mas, para isso, devem incluir uma abordagem realista, ou seja, ter como protagonistas os Estados-Nacionais e considerar o espaço territorial de determinado Estado como uma expressão de poder estratégico. Nesse sentido, as realidades geográficas de um Estado, como seu relevo, hidrografia, demografia, fronteiras, vegetação e clima podem ser decisivos para a projeção internacional daquela nação. Como escreveu o professor Leonel Itaussu, “em outras palavras, o espaço, a posição e os recursos naturais e humanos de um país são fatores de poder que afetam a tomada de decisões no campo das relações interestatais.”

Com essa definição não é difícil relacionarmos a geopolítica com a geografia política, contudo, essa relação previsível também não é precisa e possui divergências. De acordo com Messias da Costa, este último é uma subárea da geografia que se restringe às relações entre espaço e o Estado, como posição, situação e características de fronteira. Já o primeiro está mais próximo de um instrumento de “formulação de projetos de ação, voltados às relações de poder entre os Estados e as estratégias de caráter geral para o território nacional e estrangeiro”, não sendo considerado uma ciência por grande parte dos autores.

Como diz o professor Alexandre Hage em uma analogia, podemos comparar os dois termos com uma fotografia e um quadro. A geografia política é a fotografia, sendo um reflexo exato da realidade, objetivo nos dados e informações, inerte e imutável; a geopolítica, por outro lado, é o quadro, mais dinâmico e em que é possível aplicar as próprias subjetividades, perspectivas e interesses e assim usá-la a seu favor. É um instrumento de poder, intrinsecamente relacionado com o realismo das relações internacionais, não podendo ser influenciado pela moral ou verdade, mas sim pelo potencial de contribuição no projeto de poder daquele Estado.

Essa diferenciação pode ficar ainda mais clara quando recorro ao criador do conceito, o jurista sueco Rudolf Kjellén, que o utilizou pela primeira vez em um ensaio sobre as grandes potências em 1905. Para o autor a geografia política possui uma abordagem geográfica, com ênfase na relação homem/natureza, e a geopolítica uma abordagem política, olhando para a perspectiva do Estado e atuando em determinada dimensão espacial. Porém, dado que nem ele nem os cientistas de sua época eram familiarizados com a interdisciplinaridade, diferentemente dos dias de hoje, Kjellén encarava a geopolítica como ciência, e por isso seria o foco de estudos de geógrafos e cientistas políticos.

Porém, a geopolítica clássica foi muito mais operada e aplicada por estrategistas militares do que por cientistas da geografia e política, com exceção de Mackinder, criando as referências que temos hoje como Karl Haushofer (Alemanha), Alfred Mahan (EUA), Augusto Pinochet (Chile) e, é claro, Golbery do Couto e Silva e Mario Travassos (Brasil). Nesse sentido, a preocupação central não foi adquirir conhecimentos sobre algum aspecto da realidade, mas, segundo Vesentini, estabelecer bases para que seu estado se estabelecesse no cenário internacional, seja pelo controle de rotas marítimas ou áreas estratégicas, pela expansão territorial ou pela quantidade de recursos humanos e naturais.

Esse padrão militar, todavia, está deixando de ser o dominante. Na obra Novas Geopolíticas, Vesentini relata que os centros de estudos estratégicos e geopolíticos estão se multiplicando cada vez mais e os focos das pesquisas voltam-se para correlação de forças oriundas da globalização e do relativo enfraquecimento dos Estados Nacionais como atores únicos, tendo como novos autores os cientistas sociais, cientistas políticos e geógrafos. Se antes as geopolíticas clássicas eram feitas pelo Estado e para o Estado, agora novos atores começam a ser considerados para compreender as relações globais de poder, como OIGs, ONGs, empresas multinacionais, blocos regionais, assim como novos temas como a questão ambiental e as lutas por direitos de minorias.

É evidente que nos dias de hoje, com a ordem multipolar vigente e a intersecção de inúmeras disputas econômicas, culturais, territoriais, étnicas e ambientais, a complexidade dos estudos geopolíticos só cresce e seus resultados tornam-se cada vez mais inovadores e pertinentes nos grandes debates dentro e fora das universidades. Resta saber como esses novos estudos irão impactar nas decisões cooperativas ou belicosas dos atuais governantes.


Referências

COSTA, Wanderley Messias; Geografia política e geopolítica. São Paulo: Hucitec, 1992.

MELLO, Leonel Itaussu Almeida; Quem tem medo da geopolítica?. 2a ed., São Paulo: Hucitec-Instituto Leonel Itaussu, 2015.

VESENTINI, José William; Novas Geopolíticas. 5ªed., São Paulo: Contexto, 2016.


Escrito por Pedro Ernesto (pedroernestofs99@gmail.com)


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