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LGBTFOBIA E O FUTEBOL



Desde o último dia 15 de junho, manchetes e matérias de jornal, principalmente europeus, têm trazido ao debate a LGBTfobia no futebol, mas agora sob uma nova perspectiva. Após a nova lei aprovada pelo parlamento húngaro que proíbe a temática LBGT para menores de idade, a UEFA (União das Federações Europeias de Futebol) decidiu vetar a manifestação simbólica na Allianz Arena, em Munique.

Assim, o estádio não pôde ser iluminado com as cores da bandeira LGBTQIA+I durante o jogo da Euro 2020, entre Alemanha e Hungria, “por ser motivada por uma questão política” o que, segundo eles, correspondia a um protesto contra uma decisão político-parlamentar, e não a um gesto de apoio a essa comunidade. A decisão foi muito criticada por personagens do mundo do futebol como clubes, jogadores e dirigentes. E, em alguns casos, trouxeram imagens emblemáticas como a de diversos atletas com uma faixa com as cores do arco-íris no braço durante os jogos e a de um torcedor que invadiu o campo no meio do hino húngaro para protestar e exibir a bandeira LGBTQIA+. Neste mesmo jogo, o jogador alemão Leon Goretzka, crítico da extrema-direita e favorável ao movimento pela diversidade, fez um gol e comemorou em frente aos ultras Húngaros (torcida que trouxe cantos racistas e homofóbicos durante o torneio), fazendo o símbolo de um coração.

Certamente que esses acontecimentos foram muito úteis para trazer à tona uma discussão que, pelo menos no Brasil, ainda é, licença para o trocadilho, escanteada. Não por acaso, somente em 2019 é que se começou a coibir os gritos de “bicha” nos tiros de meta em jogos no país, costume das torcidas que foi importado do México, mas que lá não se usava um grito homofóbico. Recentemente, a justiça do Rio determinou que CBF (Confederação Brasileira de Futebol) explicasse o porquê da camiseta número 24 não ser utilizada pela seleção masculina, sendo o único time da Copa América a fazê-lo. Segundo o jornalista João Abel, autor do livro Bicha: Homofobia Estrutural no Futebol, esse fato “é um elemento simbólico, que indica como qualquer tipo de suspeição da masculinidade, (…), que fira a masculinidade do homem é considerado um motivo de celeuma dentro da nossa sociedade”.

Foi por aqui também que aconteceu, talvez, um dos episódios mais vergonhosos do esporte nacional, quando o jogador Richarlyson foi hostilizado pela própria torcida em sua passagem pelo São Paulo F.C., Guarani F. C. e E. C. Santo André, somente pela suposição de ser homossexual. Para os torcedores, era inaceitável ter um jogador supostamente gay jogando pelo clube, o que, teoricamente, ameaçava os clubes de ter sua imagem comprometida e obrigava o jogador a permanecer no isolamento e ostracismo.

Para efeito de análise, o futebol é uma grande casa dos homens, conceito de Daniel Welzer Lang, um “lugar onde a homossociabilidade pode ser vivida e experimentada em grupos de pares. Nesses grupos, os mais velhos, aqueles que já foram iniciados por outros, mostram, corrigem e modelizam os que buscam o acesso à virilidade. Uma vez que se abandona a primeira peça, cada homem se torna ao mesmo tempo iniciado e iniciador”. No momento em que os meninos começam a jogar futebol, eles iniciam um processo de espelhamento nos jogadores mais velhos, os homens, reproduzindo esse mimetismo monossexuado que perpetua violências para esconder qualquer expressão que lembre o feminino, o infantil e o homossexual.

Nesse sentido, as práticas naturalizadas em competições são: “cânticos homofóbicos; xingamentos aludindo à feminilização dos adversários; piadas pejorativas e/ou de duplo sentido; e ofensas dirigidas aos jogadores, seja por suas performances consideradas insuficientemente masculinas ou por intolerância a falhas no jogo”. A demonstração de força, virilidade, competitividade e frieza frente às emoções, são expressões escancaradas dessa construção do masculino dentro do futebol que contribui todos os dias para a masculinidade tóxica que tanto se fala e critica.

Por mais que a sociedade esteja avançando nessa agenda de direitos e liberdades, discutindo temas até então intocados sobre gênero e sexualidade, é inegável que o futebol permanece sendo uma redoma machista e homofóbica, que está engatinhando frente a essas pautas, salvo algumas exceções, como é o caso do E. C. Bahia. O clube tem se posicionado de forma expressiva, com campanhas, manifestos e camisetas, por exemplo, que, de fato, levantam o debate não só sobre a questão LGBTQIA +, mas também sobre violência doméstica, racismo e até o derramamento de óleo na costa do Nordeste.

Por fim, é fundamental que nos lembremos de Foucault: onde há opressão, há resistência, e neste sentido, as formas de resistência contra a heteronormatividade hegemônica do futebol são a formação de torcidas organizadas, como a Coligay do Grêmio, a Gaivotas Fiéis Do Corinthians e os clubes de futebol gay. Segundo um estudo de Siqueira e Castro, esses últimos clubes se concentram hoje no Reino Unido, Irlanda e Islândia, mas, desde 2017, já se têm iniciativas no Brasil, em pelo menos nove capitais, permitindo que a dupla de pesquisadores se debruçassem sobre essa nova dinâmica desportiva que não condena seus atletas por serem quem são.




REFERÊNCIAS

CASTRO, Gustavo Henrique Carvalho de; SIQUEIRA, Marcus Vinicius Soares. Vão achar que é uma piada, mas, para nós, não!: discursos de resistência em clubes brasileiros de futebol gay. Cad. EBAPE.BR, v. 18, nº 4, Rio de Janeiro, Out./Dez. 2020. Disponível em: <SciELO - Brasil - “Vão achar que é uma piada, mas, para nós, não!”: discursos de resistência em clubes brasileiros de futebol <i>gay</i> . Acesso em: 7 jul 2021.


FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 13. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998.


FOLHA DE SÃO PAULOPAULO, Folha de. Homofobia no futebol não é pauta secundária, afirma jornalista. Youtube, 25 de fevereiro de 2021. Disponível em: <https://youtu.be/lSoHzKF7FS0>. Acesso em 7 jul 2021.




WELZER-LANG, DANIEL. A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia. Rev. Estud. Fem. Florianópolis , v. 9, n. 2, p. 4.

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