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Segurança e Defesa são conceitos multidimensionais?

Por Lara Martins

De acordo com Saint-Pierre, a “multidimensionalidade”, como adjetivo geral da segurança, é heuristicamente infértil, analiticamente inadequado e operacionalmente perigoso”. Saint-Pierre ainda ressalta que a segurança passou a ser vinculada à ideia de progresso e desenvolvimento, e o conceito de “multidimensionalidade” foi tomado, de forma acrítica, pela academia, ignorando a diferença entre a natureza da “defesa” e a natureza da “segurança”. O autor, visando exemplificar essa multidimensionalização, cita a incorporação das migrações como ameaça à soberania ou a pobreza como ameaça à segurança da democracia e do Estado quando, na verdade, as deficiências do próprio Estado em oferecer condições socioeconômicas são, em parte, o motivo dessas migrações; quando a pobreza é um indício da incapacidade do governo para criar e distribuir riqueza.

O conceito de multidimensionalidade aplicado à segurança surgiu com o fim da Guerra Fria e o sentido do Conselho de Segurança da ONU passou a ser questionado. A partir disso, criou-se a Comissão Palme, que adicionava-se às ameaças tradicionais uma série de questões nada novas, nas palavras do autor, mas que passavam a ser vistas através do prisma da segurança e que foram denominadas de “novas ameaças”. Na América Latina, esse conceito ganha um novo rosto a partir das diretrizes do Consenso de Washington e também com o intento dos EUA de recompor doutrinariamente a região latino-americana como sua área de segurança nacional. Com esse objetivo formou-se as Conferências Hemisféricas de Ministros da Defesa (CHMD), visando aprovar uma agenda hemisférica a partir de uma lista comum de ameaças que, ao fundo, respeitava mais os interesses norte-americanos.

É preciso ter cuidado quando for nomear conceitos, noções e teorias pois eles são importados e assimilados sem cuidado para a perspectiva regional, assim como suas máscaras ideológicas e o seus objetivos políticos, e isso não seria diferente com o conceito de “multidimensionalidade”. Dessa forma, o autor analisa que a multidimensionalidade das ameaças, seus desafios e preocupações são mobilizadas a partir da diversidade e do alcance dos mesmos. Todavia, esses mesmos desafios, na prática, não aparecem como ameaça à soberania estatal ou ao monopólio da violência, mas sim como sintomas de soberania incompletas e consequências indesejadas de democracias deficientes. As debilidades institucionais de alguns países e, de acordo com o autor, somadas ao horizonte histórico temporal limitado, muitas vezes deixam de lado respostas institucionais adequadas em prol de respostas militares ineficientes, porém atrativas.

O grande perigo no conceito é de reunir em uma única imagem a complexidade de um processo. Primeiro, por conta da ideia de existência de uma agenda única de segurança hemisférica e, segundo, por causa da diferença da natureza existente entre a defesa e a segurança. A natureza perceptiva das ameaças também é um fator importante de contestação dessa agenda única de segurança, introduzido sob pressão política de quem conta com a força para decidir sobre as ambiguidades conceituais.


Bibliografia


Saint-Pierre, Hector; Mei, Eduardo. Paz e Guerra: Defesa e Segurança entre as Nações. UNESP, 2013.

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