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APAC's: O sistema prisional humanitário criado no Brasil

Por Lucas Ramos


A justiça civil no Brasil funciona com padrões definidos baseados no artigo 5° da Constituição federal de 1988, que claramente dita: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”

Nesse sentido, outra questão amplamente debatida quando falamos de políticas públicas envolve o sistema prisional existente no país. Essa questão prisional deveria ser regida pelo princípio básico de igualdade da Constituição, entretanto, isso não é o que ocorre na realidade da maioria das cidades do país. Esse fato é evidenciado pelo acontecimento do chamado Massacre de Carandiru, que ocorreu no dia 2 de outubro de 1992, após uma rebelião de prisioneiros sair do controle. Policiais militares, bem como outros tipos de batalhões, invadiram o presídio já atirando, resultando na morte de 111 prisioneiros, a maioria com tiros na cabeça e no peito, naquele que era o maior presídio do Brasil no momento.

Na época, o massacre escancarou todas as falhas do sistema brasileiro, e inspirou grandes chamados para mudanças nesse sistema. Ainda assim, percebemos que esse fato não gerou mudanças reais ou uma resposta em massa em nenhum momento da história brasileira, uma vez que ainda perdura na justiça o caso dos policiais que cometeram os homicídios no Carandiru.

Ademais, em 2016 saiu um relatório da Organização das Nações Unidas constatando que prisões brasileiras possuem, em larga escala, problemas de superlotação de prisioneiros, além de tortura e abusos cometidos de forma institucionalizada e permitida; em outras palavras, o Massacre de Carandiru não foi um fenomêno exclusivo, o sistema priosional brasileiro é responsável por perpetuar a violação de diversos direitos humanos.

Em contrapartida, algumas prisões vêm se destacando nos últimos tempos por irem na contramão do sistema comum brasileiro, estas são as chamadas “Associações de Assistência aos Condenados”, chamadas de forma popular de APAC, em função de uma frase usada nas instituições: “Amando o Próximo, Amarás a Cristo”. Existe uma ligação clara ao catolicismo, porém a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), responsável pela popularização da metodologia de forma institucional, deixa claro que toda e qualquer religião é respeitada dentro do espaço da APAC. Essas instituições funcionam, portanto, com o objetivo principal de reabilitação de indivíduos, sendo importante destacar que dentro das APACs essas pessoas não são chamadas de prisioneiros, mas de recuperandos.

Vale notar também que a metodologia das APACs é completamente brasileira, criada nos anos 70 pelo advogado e jornalista Dr. Mário Ottoboni, em São José dos Campos — SP. De acordo com a FBAC: “A APAC é composta de 12 elementos: 1. Participação da Comunidade; 2. Recuperando ajudando Recuperando; 3. Trabalho; 4. Espiritualidade; 5. Assistência jurídica; 6. Assistência à saúde; 7. Valorização Humana; 8. Família; 9. O Voluntário e o curso para sua formação; 10. Centro de Reintegração Social — CRS; 11. Mérito; 12. Jornada de Libertação com Cristo;”

Diante disso, é possível inferir que essas instituições funcionam de forma muito diferente de presídios comuns brasileiros. Primeiro, os “recuperandos” são chamados pelo nome ao invés de números, além de toda a instalação funcionar sem qualquer presença de policiais ou agentes, com os próprios recuperandos sendo responsáveis pelas chaves do local. Além disso, todos os recuperandos possuem sua própria rotina, com cursos profissionalizantes e responsabilidades com a comunidade.

Esse tipo de tratamento humano aos prisioneiros sempre é olhado com estranheza pelos que não conhecem o sistema APAC. Dúvidas surgem sobre a efetividade do método e a capacidade das instituições em manter os recuperandos dentro delas. Entretanto, esses questionamentos, apesar de comuns, não condizem com a realidade e isso é provado quando analisamos os resultados de instituições já implementadas.

Primeiramente, enquanto o índice nacional de reincidência (ou seja, aqueles que voltam a cometer crimes após o cumprimento de sua sentença) é de 85% em presídios comuns, nas APACs esse número se mostra muito menor, os casos de reincidência só alcançam cerca de 8 a 15% de todos os indivíduos. Além de efetiva na ressocialização do recuperando, as APAC também se mostram muito efetivas em diminuir os custos ao Estado. Ao passo que em um presídio comum o gasto médio é de, aproximadamente, 3 salários mínimos para o mantimento de cada prisioneiro, nas APAC esse custo cai para 1 salário mínimo e meio.

Apesar dos resultados positivos, as APAC ainda estão longe de ser uma instituição de larga escala no Brasil, com apenas 50 unidades em todo o país, cada uma com ocupação de no máximo 200 recuperandos. Assim, é possível inferir que um grande obstáculo para a popularização dessa metodologia é a falta de conhecimento de grande parte do público sobre a existência das APACs e seus resultados. Todavia, esses resultados recebem atenção inclusive no plano internacional, com o exemplo de países como Alemanha, Argentina, Bolívia, Estados Unidos, Nova Zelândia, Noruega e muitos outros que se inspiraram na metodologia brasileira e começaram a implementar modelos dessas instituições em seus territórios.

Em conclusão, após diversos incidentes violentos no sistema prisional brasileiro, é chegada a hora de mudanças nesse sistema. As APACs demonstram uma ótima alternativa para a manutenção da crise deste sistema inefetivo, sistema esse que não só facilita a violência e o crime, mas o incentiva.

Referências:


Para leituras mais aprofundadas sobre os temas, alguns livros podem ser sugeridos:


“Estação Carandiru”, de Drauzio Varella, fala sobre a vida na prisão antes do massacre de Carandiru, mostrando o dia a dia dos detentos, além das condições de vida sobre a qual eram submetidos.

“Vamos matar o criminoso? O método APAC”, de Mário Ottoboni, o criador do método APAC explica a metodologia e se baseia na ideia de: “Matar o criminoso e salvar o homem”.


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