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A Questão da Amazônia sob a luz da Escola Inglesa

Autor: Rafael dos Reis


A possibilidade da internacionalização da Amazônia é um assunto periodicamente debatido entre lideranças internacionais. Os recentes aumentos significativos nas taxas de queimadas e desmatamentos, além de um afrouxamento do controle desses crimes, abrem margem para as pressões das ONGs sobre o governo brasileiro. A tendência, alertam os especialistas, é que o desmatamento cresça ainda mais caso sejam aprovados projetos de lei que estão em discussão no Congresso, como os que defendem a regularização de áreas desmatadas e atividade de exploração mineral em terras indígenas. Consequentemente, ressurgem antigas tensões diplomáticas entre as nações. Em 2019, o presidente da França, Emmanuel Macron criou uma instabilidade pela primeira vez em relação ao assunto, ao sugerir uma proposta de intervenção internacional na Floresta Amazônica se os líderes brasileiros continuassem a não agir prontamente para solucionar esses problemas.

Uma das abordagens teóricas que pode clarear as atuais tensões da conjuntura internacional é a de Martin Wight, da Escola Inglesa, que pressupõe que as nações globais, em uma condição anárquica, medem forças com o Brasil pelo território amazônico. Para os estudiosos da teoria, o Estado é o principal ator da política mundial, sujeito de direitos e deveres da sociedade internacional. Com o conceito de sistema internacional, que pressupõe contato suficiente para que as unidades políticas façam cálculos de custo-benefício nas suas interações, gerando a condução das partes como um todo. Além disso, a Sociedade Internacional define a ideia de grupo de Estados que compartilham valores e interesses, ligados por conjunto de regras e participantes.¹

É uma suposição clara entender que o Brasil, como Estado soberano, busca proteger os interesses e as riquezas de seu território. Por outro lado, outros Estados podem utilizar-se oportunamente da narrativa ambiental para ferir a soberania brasileira com interesses econômicos e políticos por debaixo dos panos.


Ricardo Salles e a Antigestão do território brasileiro

É necessário contextualizar como o atual governo brasileiro tem se manifestado acerca da preservação da Amazônia e quais motivos levam os ambientalistas a assumirem uma postura antagonista. Desde o anúncio dos seus planos de governo, o presidente Jair Bolsonaro sempre deixou claro qual seria a política ambiental adotada. Para tanto, o presidente nomeia Ricardo Salles, com uma gestão marcada principalmente por medidas prejudiciais à proteção ambiental: suspensão de multas, alto nível de interferência nos órgãos de fiscalização e revogação de leis que protegiam manguezais e restingas. O líder da pasta do meio ambiente também foi duramente criticado por ambientalistas por não levar em consideração os aspectos técnico-científicos dos problemas ambientais do Brasil. O ex-ministro constantemente assumia uma postura reticente ao ser indagado por propagar falsas alegações e compartilhamento de dados propositalmente mentirosos acerca do desmatamento no país.

Em suma, Salles trabalhou ativamente contra a gestão da pauta verde no país: defendeu a agricultura comercial em terras indígenas, se posicionando a favor da diminuição da demarcação desses territórios, opinou sempre a favor de uma revisão geral das regras de regulação ambiental e diversas vezes divulgou dados falsos para corroborar teses equivocadas e destrutivas, sendo o caso mais marcante o do vazamento de óleo no Nordeste em 2019, quando o ex-ministro compartilhou um vídeo fora de contexto do Greenpeace dando a entender que a organização seria a responsável pelo vazamento². Essa mesma estratégia repetiu-se diversas vezes, quando Salles buscava exonerar-se da culpa e dispersar as críticas. Outro ponto importante acerca da participação desastrosa é sua provável aliança com o agronegócio brasileiro (motivo que o afastou do Ministério), setor que tem vasta influência política e é apontado como um dos principais atores do retrocesso ambiental brasileiro. A expansão desenfreada do agronegócio no país ainda é constantemente tratada como se não fosse um ator relevante na contribuição dos desequilíbrios climáticos.


A intervenção das nações globais

Com a contextualização de toda a desordem que o governo brasileiro protagoniza em relação à proteção de seu território, pode-se entender quais argumentos ambientalistas utilizam em suas narrativas para a proposta de uma presença mais forte de nações estrangeiras atuando na manutenção da Amazônia. Contudo, é um cenário improvável pensar que uma intervenção possa ser efetuada sem a devida autorização dos órgãos competentes, no caso, o Conselho de Segurança da ONU. No Sistema Internacional, conferir um status internacional à Amazônia, como alguns países têm feito, não significa necessariamente uma autorização para que as nações intervenham na soberania brasileira. Seria um feito inédito que a comunidade internacional adquirisse o direito legal de intervir na gestão de um território pela manutenção do bem comum.

As medidas possíveis já começaram a ser feitas. Alguns grupos já procuram provas concretas de omissão por parte do governo brasileiro, dessa forma, pode-se identificar uma medida padrão de boicote às nações globais: as pressões econômicas. O agronegócio brasileiro depende de certificação internacional, por isso, se comprovado o desmatamento ilegal, um boicote internacional pode afetar a taxa de exportações do país.

No cenário internacional dos dias de hoje, mergulhado no sistema internacional, há ferramentas que administram como as relações entre Estados atuam sob a anarquia. Por exemplo, os blocos regionais econômicos e as conferências sobre meio ambiente e desenvolvimento, que limitam as soberanias nacionais, advindos da necessidade dos Estados se unirem para alcançar determinados objetivos comuns. Assim como observa Mazzuoli:

“Torna-se irreal considerar a soberania como ilimitada no plano das relações internacionais. Com efeito, "à medida que os Estados assumem compromissos mútuos em convenções internacionais, que diminuem a competência discricionária de cada contratante, eles restringem sua soberania" (MAZZUOLI, 2002, 2).³

Um exemplo evidente de como os Estados têm atuado mais energicamente em relação ao problema da Amazônia foi a convocação da Cúpula do Clima em 2021 pelo presidente estadunidense Joe Biden. Esse tipo de fórum é uma ferramenta na qual são firmados tratados em resposta às ameaças climáticas e ambientais. Os líderes globais são questionados diretamente sobre quais medidas serão postas em vigor e são expostas falhas com compromissos ambientais firmados anteriormente. Em um mundo globalizado e extremamente competitivo, é necessário pensar em uma flexibilização do conceito de soberania se o objetivo for agir ativamente contra políticas anti-humanitárias e pelo bem comum. É juridicamente impossível pensar no conceito clássico de soberania em um cenário de exigências de cooperação ambiental e econômica.


Bibliografia


¹ DO NASCIMENTO, Thiago Cavalcanti. Um Ensaio sobre a Escola Inglesa das Relações Internacionais. Revista de Estudos Internacionais, 2013.


² DW BRASIL. Salles insinua que Greenpeace é culpado por manchas de óleo. Disponível em: <www.dw.com/pt-br/sem-provas-salles-insinua-que-greenpeace-%C3%A9-culpado-por-manchas-de-%C3%B3leo/a-50978173> acessado em 09/07/2002.


³ MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos provenientes de tratados: exegese dos §§ 1º e 2º do artigo 5º da Constituição de 1988. Disponível em: <www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1609> acessado em 09/07/2002.


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