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A crise da UNASUL

Por Lara Martins


Para falar das dinâmicas de integração regional na América do Sul, precisamos nos ater a dois tipos de regionalismos que marcaram esses processos ao longo da história: o regionalismo aberto e os regionalismos pós-liberal.

A década de 1990 foi marcada, sobretudo, pelo regionalismo aberto, tendo o comércio e o mercado como pilares essenciais para o processo de integração. É um período marcado por uma crescente e contínua interdependência, em um contexto de liberalização do comércio, desregulação da economia e retirada de barreiras tarifárias, que visam fortalecer e aumentar a competitividade dos países da região, muito pautados pelas estratégias herdadas do Consenso de Washington. Na América Latina, esse modelo passou a ser implementado por Pinochet, Menem, Perez e Fujimori nos governos de Chile, Argentina, Venezuela e Peru, respectivamente, numa resposta ao agravamento das dívidas internacionais dos anos 1980, contraídas nas décadas anteriores. Era o fim do modelo de substituição de importação (MSI) e o começo da promoção da competitividade internacional e da modernização tecnológica como novas formas de estratégias ofensivas de inserção internacional.

Muitas foram as iniciativas criadas sob a lógica do regionalismo aberto na América Latina. Podemos destacar: o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), firmado entre Canadá, México e Estados Unidos em 1994; a proposta estadunidense de criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), também em 1994; a experiência do Mercado Comum Centro-Americano (MCCA); o então Mercado Comum do Caribe, hoje Comunidade do Caribe (CARICOM); e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), de 1991.

Por outro lado, insurge um novo modelo de regionalismo como fenômeno ímpar na região latino-americana. Produto de uma conjuntura marcada pela falência do modelo neoliberal, pela extinção do consenso de apoiar a integração nos mecanismos de mercado, pela crença no Estado como regulador da economia e promotor do desenvolvimento por meio de políticas ativas de gastos públicos e geração de emprego, esse novo regionalismo é chamado por José Sanahuja de regionalismo Pós-Liberal (SANAHUJA, 2010).

Em resumo, o regionalismo pós-liberal vai se distinguir por apresentar uma agenda positiva para a integração, onde as demandas políticas têm primazia sobre as comerciais, o Estado exerce maior papel frente aos atores privados (protagonistas nos anos 1990) e existe uma preocupação com a participação e legitimação social (FERREIRA, 2015).

O regionalismo pós-liberal traz consigo, ainda, uma forte influência dos projetos bolivarianos, em que, por meio do resgate da valorização da América Latina, busca-se a defesa da soberania, iniciativas de integração que trabalhem efetivamente na promoção do desenvolvimento e que possibilite uma maior autonomia, tanto regional, quanto nacional, no sistema internacional. entre as iniciativas de integração regional que operaram nessa nova lógica, tem destaque a União de Nações Sul-americanas (UNASUL), a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) e os movimentos de reforma do MERCOSUL.

De acordo com Granja e Mesquita (2020), em sua criação, a Unasul se consolida como um órgão que reflete a convergência dos países membros e que desempenha ao longo de seu funcionamento um papel importante nas crises do subcontinente (p. 549). As autoras ainda relatam que a consolidação do papel da Unasul na região também foi motivada pela ausência da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Ela pode ser entendida como produto direto da convergência ideológica regional quanto às práticas desejáveis de políticas na região sobre democracia e solução de conflitos, assim como em torno a posicionamentos políticos na gestão das políticas regionais. Embora não sem dificuldades na execução, tais conjunturas são importantes, pois demonstram os sucessos dos mecanismos regionais de governança (GRANJA e MESQUITA; 2020)

Visto que as conjunturas são importantes para a análise desses mecanismos de integração, com o fim da chamada “Onda Rosa”, ou “primavera sul-americana”, e a emergência de governos do espectrum ideológico identificados como de direita, iniciou-se um processo de questionamento dessas instituições existentes. Para Jaeger (2019) atribuir os retrocessos da UNASUL apenas às escolhas e convergências políticas é uma visão reducionista, a participação das elites econômicas nesse processo também demanda reflexão. A autora considera que a resposta dos Estados é influenciada simultaneamente por dois meios: a conjuntura internacional e com o fator do espaço doméstico como meio de coalizões políticas e econômicas.

O Foro para o Progresso e Integração da América do Sul (PROSUL), mecanismo idealizado como novo espaço de diálogo regional para o fortalecimento das relações e da cooperação entre os Estados sul-americanos. O PROSUL foi constituído, em tese, em torno do compromisso com valores fundamentais, como a defesa da democracia, do Estado de direito e dos direitos humanos. Granja e Mesquita (2020) encontram nas bases discursivas da construção do Prosul ideias como o combate à esquerda, a seus modelos de desenvolvimento e de inserção internacional estão bastante presentes nos discursos. Esses discursos, aliados aos de caracterização da Unasul como um organismo extremamente burocratizado, influenciaram todo o processo de desmonte e esvaziamento da organização precedente.

Bibliografia

SANAHUJA, José Antônio. 2010. La construcción de uma région: Sudamérica y El regionalismo posliberal. In CIENFUEGOS, M. e SANAHUJA, J. A. (eds.), Uma región em construcción: UNASUR y La integración em América del Sur.Barcelona: Fundació CIDOB.

FERREIRA, Guilherme. O regionalismo pós-liberal e o resgate da agenda de desenvolvimento. III Semana de Ciência Política. PPGRI San Tiago Dantas. 2015.

JAEGER, Bruna (2019): “Crise e colapso da UNASUL: o desmantelamento da integração sul-americana em tempos de ofensiva conservadora” em Revista Conjuntura Austral, v.10, n.4, p.5–12. Link

GRANJA, Lorena e MESQUITA, Bárbara (2020): “Da Unasul ao Prosul: (contra) dinâmicas na integração regional e suas consequências acumulativas, Monções: Revista de Relações Internacionais da UFGD, v.9, nº 18.



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