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20 ANOS DE NEGOCIAÇÕES — O ACORDO COMERCIAL ENTRE MERCOSUL E UNIÃO EUROPÉIA E QUAL PAPEL DO PODER EX



1. ABORDAGENS TEÓRICAS PARA O COMÉRCIO INTERNACIONAL

O possível acordo a ser formado entre o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e União europeia (UE) possui pontos positivos e negativos. Esse possível horizonte de novas oportunidades pode ser acompanhado por transformações significativas, com o advento do processo de integração, há a necessidade da manutenção do comércio liberalizado e logicamente um regime de investimentos.

Por um lado, a integração internacional que os dois blocos podem proporcionar vem também seguindo novos critérios internos relativos à competitividade e à qualidade dos produtos. Por outro, a possível integração entre os mercados de capitais tem a ver com as questões macroeconômicas para que se tornem mais complexas e dependentes de uma crescente cooperação internacional, visando à manutenção da estabilidade econômica.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DA NEGOCIAÇÃO ENTRE OS BLOCOS

As conversas entre MERCOSUL e UE começaram em 1999 e as negociações foram paralisadas em diversos momentos, isso porque os dois lados tinham que entrar em consenso sobre termos de diversas áreas, como marcos regulatório, tarifas alfandegárias, regras sanitárias, propriedade intelectual etc. O setor agrícola foi o mais debatido, pois houve a resistência de alguns países europeus para que abaixassem as tarifas de importação dos produtos brasileiros com receio de que eles pudessem prejudicar os produtores locais. Em um acordo bilateral, os dois lados precisam ceder, mas antes de tudo é preciso avaliar o custo de cada uma dessas concessões e o impacto delas em cada setor.

Antes do acordo, apenas 24% das exportações brasileiras, em termos de linhas tarifárias, entram livres de tarifas na UE. Após a desgravação prevista no acordo, 92% das importações do MERCOSUL e 95% das linhas tarifárias entram livres de tarifas na UE. Incluídas as linhas com desgravação parcial (quota, preço de entrada e preferência fixa), a oferta europeia se eleva a 99% do volume de comércio. O MERCOSUL, por sua vez, liberaliza 91% das importações originárias da UE e 91% das linhas tarifárias após a desgravação prevista no acordo. (RESUMO INFORMATIVO ELABORADO PELO GOVERNO BRASILEIRO, 27 de novembro de 2019).

Segundo as negociações, o acordo prevê a remoção da maioria das tarifas de importação do MERCOSUL a produtos europeus, principalmente nos segmentos industrial, agrícola e alimentício. Entre os bens industriais estão incluídos, por exemplo, automóveis e autopeças. Hoje os importadores pagam uma alíquota de 35% sobre o preço dos veículos europeus e em torno de 14% a 18% em cima do preço das autopeças. Produtos como, chocolate, vinhos e queijos e destilados, hoje taxados em pelo menos 20%, também serão beneficiados pela eliminação das tarifas.

Segundo Kinoshita (2001) o processo de estabelecimento da zona de livre comércio entre o MERCOSUL e a UE poderá ser a consolidação de uma nova etapa das relações entre os blocos e consequentemente entre as Américas e a UE.

O MERCOSUL e a UE representam, somados, PIB de cerca de US$ 20 trilhões, aproximadamente 25% da economia mundial, e mercado de aproximadamente 780 milhões de pessoas. O acordo constituirá uma das maiores áreas de livre comércio do mundo. A UE é o segundo parceiro comercial do MERCOSUL, que é o 8º principal parceiro extrarregional da UE. A corrente de comércio birregional foi de mais de US$ 90 bilhões em 2018. O Brasil exportou mais de US$ 42 bilhões para a UE, aproximadamente 18% do total exportado pelo país. A UE figura como o maior investidor estrangeiro no MERCOSUL. Em 2017, o estoque de investimentos da UE no bloco sul-americano somou US$ 433 bilhões. O Brasil é o quarto maior destino de investimento estrangeiro direto (IED) extrabloco da UE. (RESUMO INFORMATIVO ELABORADO PELO GOVERNO BRASILEIRO, 27 de novembro de 2019).

A UE é o segundo maior parceiro comercial do MERCOSUL, já o MERCOSUL ocupa o 8° lugar no ranking de parceiro comercial extrarregional da EU. As regras de origem têm o objetivo de garantir que os ganhos obtidos pelo acordo sejam usufruídos pelos operadores econômicos do MERCOSUL e UE. As regras acordadas irão contribuir para a maior integração da economia brasileira nas cadeias bilaterais, regionais e globais.

O acordo veio com o intuito de reforçar o comprometimento do Brasil nas áreas de meio ambiente e desenvolvimento sustentável, inclusive o Acordo de Paris e Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, que poderá receber subsídios dos países desenvolvidos para adaptação, levando em consideração as necessidades de cada país. Espera-se receber apoio para o alastramento de informações sobre oportunidades que irão surgir, como oportunidade de negócios e a internacionalização de micro, média e pequenas empresas, mais adiante essas ações serão necessárias para promoção de empregos. O acordo busca o reforço da cooperação na promoção e proteção dos direitos humanos e a implementação de instrumentos internacionais sobre o tema.

3. PAPEL DO PODER EXECUTIVO E LEGISLATIVO BRASILEIRO

Para que um acordo seja ratificado é necessário que ele passe pela apreciação dos Poderes Executivo e Legislativo, em que o primeiro tem um papel fortemente ligado às negociações que levam a assinatura do texto do tratado e o segundo por meio do processo de aprovação perante o Presidente da República para que o acordo seja incorporado ao direito interno.

No caso brasileiro, temos como atores dessas negociações o Ministério das Relações Exteriores Brasileiras (MRE) e os Presidentes da República que estiveram ocupando o cargo nesses mais de dez anos de negociação do acordo entre MERCOSUL e União Europeia, importante principalmente por ressaltar o compromisso dos dois blocos com a abertura econômica e o fortalecimento das condições de competitividade.

Nessas duas décadas de negociações, três fases podem ser identificadas de acordo com o Resumo Informativo elaborado pelo governo brasileiro. A primeira que vai de 2001 a 2004, marcada pela dualidade brasileira entre o governo Fernando Henrique Cardoso que enfraquecia o poder de barganha do bloco com o discurso repleto de preocupações em relação ao que seria o livre-comércio proposto pelo acordo, e o governo Lula que reorienta a política externa brasileira para uma maior inserção no sistema internacional, sem priorizar, no entanto, as negociações do acordo entre os dois blocos. Ainda assim, é preciso reconhecer o papel do governo FHC como grande entusiasta nesse período (2001/2003) que significou os primeiros capítulos do tratado, mesmo que estes tenham sido rejeitados pelas partes envolvidas.

A segunda fase das negociações, que vai de 2010 a 2012, depois de um longo período em que principalmente os países membros do MERCOSUL voltaram suas políticas externas para inserção internacional objetivando o fortalecimento da mesma e o prestígio internacional, após a suspensão das negociações em 2004, o ano de 2010 é marcado pela retomada dos diálogos por parte da Espanha, ao assumir a presidência da União Europeia, visando aproximação com países latino-americanos.

Para Saraiva (2011, p. 64, tradução livre), “nesse caminho, a combinação de pragmatismo estratégico e considerações ideológicas favoreceu um reforço discreto, mas definido, da orientação autonomista”, que no caso brasileiro trouxe à agenda de política externa, principalmente: (1) o MERCOSUL e demais mecanismos de integração; (2) as relações Sul-Sul; (3) as políticas sociais e; (4) a defesa pela ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

É importante ressaltar que quanto aos processos de integração que se referem ao MERCOSUL, a política externa de Lula não trouxe novas perspectivas, uma vez que a proposta de revitalização era apenas continuidade do desejo de fomentar a integração na América do Sul presente nos últimos governos. Ainda assim, as políticas para a região, nas palavras de SOUZA (2011, p. 49) “vem acompanhada de um projeto desenvolvimentista, multilateralista, cooperativo e não-confrontacionista e de consolidação do papel do Brasil de player internacional e líder regional”, que no que se refere ao acordo MERCOSUL e UE retrocedem ao enfrentar mais um período de estagnação das negociações durante o governo Dilma Rousseff, especificamente entre 2011 e 2016.

A terceira fase das negociações, que vai de 2016 a 2019, se configura como a mais promissora dentre as três, marcada principalmente pelo protagonismo do presidente Michel Temer frente às negociações e a priorização do tratado de livre-comércio em sua agenda de política externa, que concluiu boa parte dos capítulos do acordo e acelerou as negociações para que ela pudesse ser concluída antes do término do mandado para que não se corresse o risco de ter o tratado negligenciado na agenda prioritária do próximo governo.

Ainda que o MERCOSUL não tenha sido prioridade nos primeiros meses de gestão do governo Bolsonaro, a União Europeia acelerou as negociações que preveem zerar as tarifas de exportação de 90% dos produtos em, no máximo, dez anos e dessa forma o termo de cooperação comercial foi fruto de negociações e políticas de governo de diferentes representantes do executivo brasileiro, ainda existe uma longa jornada até que o termo de cooperação comercial negociado desde 1999 venha ser aprovado por todos os parlamentares dos países que integram os dois blocos econômicos.

Todo o trâmite tem processos e eles são, no caso do Brasil: após a assinatura, o Presidente da República irá direcionar o acordo para o Congresso Nacional, para que haja o julgamento da Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Se aprovado, o Senado autorizará o Poder Executivo a ratificar o acordo e a possibilidade disso acontecer é grande considerando que “o Congresso brasileiro nunca recusou um acordo de livre comércio assinado pelo Executivo”[2]. No que diz respeito à União Europeia, o acordo será encaminhado para que haja uma votação no Parlamento Europeu, sendo que o que compete exclusivamente a questões não econômicas precisam ser analisadas pelo Legislativo de cada país individualmente.

As questões econômicas do acordo poderão entrar em vigor provisoriamente após a aprovação pelo Parlamento Europeu e a ratificação pelos países do MERCOSUL, sendo que a principal preocupação em relação ao papel do Legislativo na ratificação do tratado se refere ao fato de que “a tramitação no Legislativo poderá sofrer vetos cruzados e exigir muita discussão e muita negociação. O acordo foi justamente saudado como uma conquista para a economia nacional, mas terá de ser examinado em todos os seus aspectos e em todas as suas implicações”[3].

Assim, a parte política irá depender da aprovação do texto pelos Estados-parte do bloco europeu, já do lado do MERCOSUL cada Estado deverá concluir seus respectivos processos internos para ratificação do acordo. Ao que tudo indica, uma vez aprovado pela União Europeia, o acordo poderá entrar em vigor individualmente para cada sócio do MERCOSUL, na medida em que cada um concluir o seu devido processo de ratificação.

4. CONCLUSÃO

A presente análise girou em torno do questionamento que foi levantado ainda no início do texto, para poder chegar a uma resposta plausível e mais concreta acerca do papel da integração fronteiriça-regional na prevenção de novos conflitos e na manutenção da paz.

Nesse sentido, para elucidar de forma precisa e até mesmo reflexiva as contribuições dessas iniciativas de cooperação e desenvolvimento que emergem com uma frequência cada vez maior, fez-se necessário realizar uma pesquisa breve e minuciosa em livros, artigos e fonte mais específicas no que se refere a informações e opiniões capazes de auxiliar na lógica do empreendimento de instituições como a União Europeia e o MERCOSUL. Como consequência, observou-se que através da boa-vontade e da construção de confiança mútua, inimigos históricos podem, sim, transformar-se em aliados.

Nessa lógica, para Niño (2012, p. 137), o papel da integração fronteiriça-regional na prevenção de conflitos se evidencia na capacidade de mediação e manutenção que esse instrumento de desenvolvimento possui de aplicar medidas diplomáticas no intuito de evitar que possíveis disputas entre Estados-membros evoluam para um conflito violento. Isto significa transformar regiões com nações distintas em espaços de socialização, não mais vistos como fonte de conflitos e inseguranças, mas de espaços de ação local onde a divisão geográfica da linha fronteiriça pode ser superada e a fronteira entendida em termos de cooperação e amizade.

REFERÊNCIAS

RIBEIRO, Polianna da Silva. As relações comerciais entre Mercosul e União Europeia: as consequências para o Brasil. 2005.

SARAIVA, Miriam Gomes. Brazilian Foreign Policy: Causal Beliefs in Formulation and Pragmatism in Practice. In: Latin American Foreign Policies. Palgrave Macmillan, New York, 2011. p. 53–66.

Estatísticas Mercosul. Disponívem em <https://estadisticas.mercosur.int/>. Acesso 28 de novembro de 2020.

MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES. Resumo do Acordo de Associação Mercosul — União Europeia, Distrito Federal, 2019, p. 1–25, 4 jul. 2019. Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/images/2019/2019_07_03_-_Resumo_Acordo_Mercosul_UE.pdf>. Acesso em: 28 de novembro de 2020.

DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (DF). Via Mundi. Zona de Livre Comércio MERCOSUL — União Europeia, p. 10–12, 5 jun. 2001. Disponível em: <http://www.unb.br/ipr/rel>. Acesso em: 30 de novembro 2020.

Acordo Mercosul — União Europeia: o que isso significa? Disponível em <https://www.politize.com.br/acordo-mercosul-uniao-europeia/>. Acesso em: 30 de novembro de 2020.

SAVINI, Marcos. As negociações comerciais entre Mercosul e União Européia. 2001

GURGEL, Angelo. et all. Acordo de Livre Comércio entre Mercosul e União Europeia: uma Análise de Equilíbrio Geral Computável. Campinas — SP, 29 de julho a 01 de agosto de 2018.

[2] Informação fornecida por Maurício Santoro, professor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para a Gazeta do Povo. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/republica/acordo-mercosul-uniao-europeia-passa-facil-congresso/>. Acesso em 28 nov. 2020.

[3]Informação fornecida por “Marco Aurélio Nogueira, coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo, para a, Gazeta do Povo. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/republica/acordo-mercosul-uniao-europeia-passa-facil-congresso/>. Acesso em 06 nov. 2019.


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